segunda-feira, 25 de junho de 2007

INCONFORMADO

Não escreverei poesia, não contarei uma história, nem tão pouco falarei de temas nobres como educação ou sublimes como música. O momento é de desabafo. A indignação foi gerada por uma notícia de violência (mais uma) no Rio, porém não um crime banal dessa guerra insana entre polícia e bandidos. Claro que esses crimes não são de menor importância, entretanto esse é um daqueles que nos faz questionar o que está acontecendo com os valores universais da civilização, valores que estão acima e qualquer crença, classe social ou moralismo hipócrita.
Vamos aos fatos: na última semana, numa delegacia da Barra da Tijuca uma empregada doméstica que estava indo ao médico foi agredida num ponto de ônibus. Isso ocorreu por volta de cinco e cinco e meia da manhã segundo seu relato um carro parou no ponto, um grupo de jovens desceu do veículo e a espancou sem qualquer motivo aparente (se é que há motivo para agredir alguém). Para sorte dessa moa ainda existem seres humanos dignos, um taxista que testemunhou a agressão anotou a placa do carro e levou ao local onde a doméstica trabalhava. A polícia identificou e prendeu os agressores, todos rapazes “bem criados” e bem nutridos que moram numa dessas fortalezas chamadas condomínios fechados. A alegação deles para o crime foi a mais interessante, eles fizeram aquilo porque pensavam que ela era uma prostituta.
Agora vejam vocês, esses rapazes que sempre tiveram conforto, estudaram em boas escolas, possivelmente estudam nas melhores faculdades do Rio e que herdaram, provavelmente, os negócios da família de acharam no direito de parar o carro numa avenida e simplesmente espancar uma pessoa devido a sua atividade, ou seja, esses meninos bem educados se acharam no direito de julgar e executar esse julgamento pelo simples fato de uma pessoa muita das vezes num ato de desespero e desencanto vende o seu corpo para não morrer de fome, essas crianças se viram na “missão” de “limpar a rua” de prostitutas. E não se deram ao trabalho de imaginar que essa “puta” é alguém que ama, sofre, come, dorme, consome e vive como qualquer pessoa digna e o pior acharam que por estar andando de madrugada qualquer mulher e prostituta e não cogitaram que poderia ser uma empregada doméstica.
O que mais me assusta é que existem aos montes outros meninos iguais a esses. Eu sou professor formado e ainda não exerço a função e me pergunto onde estão os pais desses pequenos monstros, que valores eles estão transmitindo aos seus filhos e pior ainda, como será a sociedade quando esses moleques assumirem o lugar dos pais, porque esses foram pegos, acredito infelizmente que não por muito tempo, já que o papai com certeza contratará um bom advogado para livrar a cara deles, mas os que estão por aí sem serem descobertos.
Esse é um desabafo de um educador indignado e um cidadão assustado, essa doméstica poderia ser minha irmã, sua prima, a amiga do seu vizinho, poderia ser alguém próximo a qualquer um de nós. Para terminar faço um apelo a todos os pais que acham que educar é mandar seus filhos para a Disney e mais nada: olhem para suas crianças, vejam o que estão fazendo, vocês podem estar criando um monstro. E não me venham com desculpas que trabalham demais, meus pais também trabalhavam demais e não saio por aí espancando empregadas ou prostitutas.

terça-feira, 19 de junho de 2007

DOR DE CABEÇA

Dor
Constante
Cortante
Latejante
Dor
Persistente
Insistente
Contundente
Dor
De cabeça
De tristeza
Da incerteza
Dor
De amor
Sem torpor
Com furor
Dor
Que não passa
Que esmaga
Que traspassa
Dor
Da alma
Sem calma
Que espalma
Dor
Que perfura
Transmuda
Transfigura
Dor
Profunda
Imunda
Moribunda
Dor
Do coração
Sem razão
Com paixão
Dor
Assim
Dor de mim
Sem fim
Dor...

domingo, 10 de junho de 2007

TEM POESIA NA MÚSICA

Para a maioria dos jovens de hoje música e poesia são coisas totalmente distintas. Um é relacionado a diversão, sentimentos de alegria ou tristeza e é parte importante da vida de muitos deles, já a poesia é só aquele negócio chato de aula de Literatura e prova de português. Mas o que esses garotos e meninas não sabem é que eles são muito semelhantes não só nas características gerais – ambos possuem métricos, rima, ritmo – como no tocante aos sentimentos.
Desde os primórdios da poesia eles andam juntos. Na Antigüidade os poemas eram cantados por não haver escrita difundida nas civilizações da época, a Epopéia de Homero, por exemplo, tem seus mais de quinhentos versos cantados. Fato que se repete pela idade Média. Quem nunca ouviu falar nos trovadores e menestréis? Esses artistas de rua iam de cidade em cidade divulgando suas cantigas de amor, escárnio, amigo e maldizer, não muito diferente dos artistas de hoje.
E não é só dessa forma que essas duas expressões artísticas se aproximam. Muitos compositores do século passado voluntária ou involuntariamente escreveram obras dignas das escolas literárias brasileiras. O que foi a Tropicália se não uma versão MPB da antropofagia de Oswald de Andrade? A estética que misturava ritmos brasileiros com guitarras de rock foi uma das maneiras de aplicar o conceito modernista de Oswald que era pegar o que havia de melhor na nossa cultura e misturar com o que havia de melhor do que vinha de fora.
Outro exemplo são as canções feitas na época da Ditadura como “Casa no Campo” e “Além do Horizonte” que carrega elementos do Parnasianismo, escola literária do século XVIII ou “Vento no Litoral” da Legião Urbana que tem enorme semelhança com a poesia “sonhando” de Álvares de Azevedo, um dos maiores nomes do Romantismo brasileiro?
E não é só na carga de elementos semelhantes que a música e a poesia se aproximam, muitas canções que fizeram sucesso nas rádios são na verdade poemas musicados e exemplos não faltam: “Rosa de Hiroshima” de Vinícius de Moraes virou sucesso com Secos e Molhados, “Fanatismo” da poetisa portuguesa Florbela Espanca fez um grande sucesso nos anos de 1980 na voz de Raimundo Fagner e não podemos esquecer de “Monte Castelo” canção da Legião Urbana que usa os versos de Luís de Camões.
Portanto como pôde ser ilustrado (de forma superficial é claro) a música e a poesia não só são próximas como praticamente dois lados da mesma moeda. E agora quando você for ouvir aquela canção que embala seu coração experimente fazer essa brincadeira, pesquise e descubra com que poesia ela se parece, veja se tem a ver com alguma escola literária e entre nesse universo maravilhoso que também faz rir, chorar, divertir e conscientizar.
(Texto anteriormente publicado no site www.vistolivre.com, na coluna Letra Literal de 25/04/07.)

segunda-feira, 4 de junho de 2007

ESTOU SÓ

Estou só.
Nesse recanto vazio de móveis
E espelhos,
Tenho apenas a mim mesmo.
Olho em volta e vejo meu reflexo,
Não do meu rosto, mas da minha alma,
Alma, esta, que me faz companhia
Nesse recanto de solidão.

Ninguém para conversar,
Somente a minha consciência
Que me ouve e me vê chorar.
Não há um ombro amigo,
Estou aqui esquecido
Nessa tenda de circo de horrores
Vendo meu reflexo
E refletindo sobre minhas dores
E meus amores.

As horas passam como num relógio de areia,
Grão por grão.
O tempo marcado por esse relógio lento que não marca as horas,
Mas os dias, as semanas,
As estações mortas.
Olho para esse lugar de móveis e espelhos velhos
Que refletem minha velhice, como esses móveis
E o relógio de areia do tempo que marca
O nascimento de cada ruga
E a lembrança de cada rusga.

Estou só.
Tento conversar comigo mesmo
Defronte ao espelho.
Olho para mim e digo:
“O que foi feito?
O que foi dito?
O que foi perdido?’
E digo para mim mesmo:
“Feito... nada!
Dito... palavras ralas!
Perdido... amores por nada!”

Olho para além dos móveis e espelhos
E tento contemplar o futuro.
Mas não há janelas. Só espelhos.
Que me mostram o passado.
Tudo que foi passado por mim e para mim
Nesses anos que eu não olhei para o espelho
Que guarda minha alma e por isso,
Agora estou só
E só me resta ter calma.

Estou só.
Só comigo mesmo num quarto com espelhos
E móveis velhos,
Como minha alma
Que está estampada na minha face
Para passar a limpo
E me mostrar que não há mais nada
Por trás de minha cara enrugada,
Apenas as lembranças passadas
Diante do espelho.