domingo, 9 de dezembro de 2007

MENINA NO MORRO

A menina rica sobe o morro.
Quer se divertir.
Dançar, fugir,
Não tem pra onde ir,
Grita por socorro.
Sem amor de pai,
Sem carinho de mãe,
A família feliz
É um retrato na estante.
Corre pro bandido,
Para se sentir integrante
De uma família,
De uma quadrilha.
Se esconde da casa da avó
Numa carreira de pó.
Esquece o irmãozinho
Na fumaça do fuminho.
Vai pro baile funk,
Comprar algum skunk.
E foge de casa,
Foge da solidão.
Vai pro morro,
Sua salvação.
Ela quer carinho,
Amor, aceitação.
Não quer boas roupas,
Nem sábado no salão,
Ela quer apenas alguém
Que lhe dê um coração.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

DECLARAÇÃO DE AMOR



Seu sorriso me ilumina
Como o sol que rompe o chumbo
De uma manhã de chuva.
Seu corpo é um caminho
Tortuoso que me perco toda noite
E onde não quero me achar.
Amiga, amada,
Carinho e luxúria
Unidos em um único ser.
Você.


sexta-feira, 23 de novembro de 2007

UMA BOA MORTE

Isso aconteceu há algum tempo, quando a avó da minha esposa faleceu. Eu apenas imaginava como poderia ser um velório e um enterro. Nunca tinha ido a nenhum. Antes disso acontecer eu não lidava muito bem com a morte. Mas depois dessa experiência eu passei a olhar esse tipo de ritual de outra forma, foi depois desse enterro que eu tive a real noção de como a morte é unicamente um comércio, seja ele capitalista, no real sentido da palavra, ou não.
Tudo começou quando recebemos a notícia que Dona Genoveva, internada fazia um mês, tinha acabado de falecer. Então saímos às pressas eu, minha esposa, seu irmão e a namorada dele. Ao chegarmos ao hospital encontramos seus pais, que estavam atordoados. J P, seu irmão estava alquebrado emocionalmente e as únicas pessoas com estado emocional o menos abalado possível éramos eu e minha mulher, então ficou para nós a árdua tarefa de tratar da parte burocrática do falecimento.
Depois de pegar o atestado de óbito, ficamos só eu e ela para receber o representante da funerária que cuidaria de tudo, o restante da família foi embora descansar. Ao chegar o funcionário, cheio de receio em falar conosco, já que não sabia como estaria o nosso estado emocional, foi avisando que teria de fazer algumas perguntas de praxe. Como um bom profissional do ramo tentou transparecer uma sensibilidade com a situação e começou a preencher um formulário com informações que ele disse serem importantes para tratar do enterro. Perguntou se tinha deixado filhos menores, se tinha algum bem, se tinha feito testamento, número de documentação, perguntas que num momento de tristeza como esse acabam se tornando inoportunas. Disse que não era para nos preocuparmos que a capela já estava reservada, o horário do enterro acertado e que não precisávamos nos preocupar que até a certidão de óbito seria providenciada, tudo muito eficiente, muito profissional, sugeriu que fôssemos embora que ele cuidaria da remoção do corpo, e tudo isso ainda no hospital. Eu ainda iria me surpreender com todo esse profissionalismo.
No dia seguinte fomos para a capela reservada velar o corpo, lá continuou a sucessão de comércio e “profissionalismo” a serviço da morte. Ao chegarmos havia algumas pessoas de branco anotando os nomes que estavam sendo velados. Não demorou muito para que uma delas entrasse em nossa “capela” oferecendo seus serviços espirituais. Disse que era de alguma dessas igrejas do divino alguma coisa e que se a família não se opusesse eles viriam meia hora antes do enterro para fazer uma oração. Claro, todo conforto espiritual ajuda nessas horas, mas ficar igual urubu procurando morto para divulgar sua crença, aproveitando a fragilidade emocional da família é um pouco mórbido, e não ficou só nisso.
Depois de muito choro e desejos de pêsames de amigos e familiares, veio um homem com o crachá da prefeitura, que com certeza estava acostumado a essa situação, disse com toda a frieza de seu ofício que era hora de fechar o caixão, ignorando os apelos da família, dizendo que estava na hora e que ainda tinha muito enterro naquele dia, não podia haver atrasos, nesse momento cheguei a uma conclusão: até para se morrer tem que marcar hora.
A capela ficava do lado de fora, então saímos todos e fomos num cortejo cemitério adentro seguindo a Kombi da prefeitura onde estava o caixão. No caminho paramos para comprar velas, flores e até caixa de fósforos, mesmos as tradições fúnebres são comercializadas hoje em dia. Ao entrar no cemitério parecia que todos haviam escolhido morrer no domingo, já que estava cheio e os caminhos do lado de dentro estavam de certo modo congestionados. Novamente alguns sensíveis religiosos de alguma assembléia de alguma coisa do reino não sei de onde ficava aos gritos apregoando sua fé para quem quisesse e não quisesse ouvir, interrompendo cortejos para entregar panfletos de sua igreja. Mais a frente outra cena inusitada; um homem com uma capa nas costas recebendo alguma entidade do candomblé.
E o cortejo chegou ao seu ápice: chegamos à cova que seria o descanso eterno da doce velhinha. Com toda sua presteza o funcionário público pediu que alguns homens presentes ajudassem-no a retirar o caixão do carro. Então a urna foi colocada dentro da sepultura e depois de algumas demonstrações de tristeza por parte dos familiares os coveiros começaram a jogar terra sobre o corpo. Tudo acabado um dos funcionários do cemitério, com toda a sutileza de quem faz isso todos os dias disse que poderiam colocar flores e acender as velas ali mesmo que não era proibido.
Bem, estava tudo acabado, fomos saindo devagar consolando a família, vendo os outros cortejos que se seguiam. Ainda estava no horário comercial e o dia estava cheio, os funcionários com aquele ar enfadonho de quem vai trabalhar numa segunda ensolarada contrastando com o ar de tristeza de pessoas que iam prestar sua última homenagem a seus entes mortos e assim a tarde foi se seguindo. Nesse momento me veio um pensamento um tanto mórbido e inoportuno; aquela tinha sido uma boa morte: não houve nenhum vexame de parente desesperado, ninguém, num ato de dor se jogou sobre o caixão, os funcionários fizeram seu trabalho como sempre fazem e tudo correu muito bem em mais uma tarde de segunda-feira no cemitério de Irajá.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

ATO DE FÉ









Cura-se em nome de Deus.
Mata-se em nome de Deus.
Em nome da fé, curam-se chagas,
Conquistam-se graças,
Guerreiam por nada,
Eliminam-se raças.

Um só Deus e vários nomes.
Um desejo e várias crenças.
Religiões criadas por homens,
Que acham que suas leis fazem diferença.

Todos estão certos
E todos estão errados.
Por fé, todos ficam cegos,
Não aceitam que alguém pense o contrário.

Conquistam milagres com suas orações,
Arrebanham fiéis com suas pregações,
Constróem belos templos com suas doações
E matam em nome de Deus com armas e canhões.

Muçulmano, judeu, hindu ou cristão,
Muitos nomes com a mesma intenção.
Matam por nada, sem nenhuma razão,
Desde o início dos tempos
Nas terras de Abraão
E não se sabe ao certo até quando lutarão...

domingo, 11 de novembro de 2007

VAMPIRA




E fez-se a luz. Antes, havia apenas o nada, a escuridão. E a luz veio na forma dos cabelos vermelhos que surgiram diante dos meus olhos naquele trem do metrô. Não me lembro de nada que tenha existido antes. Como Adão, de repente tive consciência de mim e do mundo, simplesmente por ver aquela mulher. Toda ela era luz. Sua pele branca em contraste com o preto de sua jaqueta, seu corpo esguio que terminava em longas pernas de couro e salto. Tudo isso apareceu na minha frente como se tivesse se formado de uma nuvem de poeira.
Não pude deixar de olhá-la. E ela percebeu. Não ficou constrangida ou irritada. Me abriu um sorriso luminoso e disse qualquer trivialidade quanto ao calor ou a quantidade de pessoas no vagão. Não entendia suas palavras, apenas ouvia sua voz rouca e sensual penetrar em meus ouvidos como uma melodia doce que não sabemos de onde vem, mas que nos eleva aos céus. Eu, estava entorpecido. Parecia um idiota que ficava balbuciando palavras desconexas. Não conseguia articular um assunto, só ficava tentando entender como aquela mulher, misto de anjo e motoqueira, se dignou a falar com alguém tão sem graça como eu.
Me sentia como uma criança saltitante ao abrir a porta da minha casa e convidá-la, ainda meio sem jeito, para entrar. Não podia imaginar que um dia isso aconteceria comigo. Já tinha lido histórias como essa em revistas masculinas e nunca acreditei na conversa de uma desconhecida puxar assunto em algum lugar e aceitar um convite para ir a sua casa sem nem ao menos saber seu nome. Mas era isso que estava acontecendo. Eu não sabia o nome dela, ela não sabia a minha história e estava lá na minha sala bebendo meu wisky, vendo minhas coisas, entrando no meu mundo.
Como descrever um sonho? Como explicar algo que nem você consegue entender? Como nomear sensações nunca antes experimentadas? Não tenho palavras com que me expressar e só consigo narrar de maneira simples tudo o que aconteceu. Foi tudo inesperado, misterioso. Eu falava qualquer coisa sobre cinema alemão quando sua língua, sem nenhum pudor ou pedido de licença invadiu minha boca. A fúria do seu beijo me enlouquecia. Era quente, violento, sua língua era como uma serpente dançando na minha garganta. Minhas mãos percorriam seu corpo livre do couro que o cobria. Eu tocava seus seios intumescidos, ela tirava minha roupa com um apetite assustador. Sua mão tocou no meu sexo e o calor do seu corpo queimava minha pele numa ânsia de prazer e desespero. Eu penetrava sua gruta com meus dedos. Estava molhada, quente e seu desejo era tanto que seus gemidos ficavam presos dentro do seu peito. Ela se sentou no sofá e me ofereceu seu suco naquele cálice róseo. Ela apertava minha cabeça com suas pernas, sua respiração era entrecortada com suspiros e gemidos surdos, seu corpo se contorcia eletrificado e eu me saciava como um beduíno num oásis no meio do deserto.
Ela me pôs em pé e com olhos famintos segurou meu falo e começou a sugá-lo como se quisesse arrancá-lo, como se fosse possível tirá-lo do meu corpo e devorá-lo por inteiro. Minhas pernas começaram a perder as forças. Quanto mais intensas eram suas chupadas mais fraco ficava. Eu estava enlouquecido, não agüentava mais, tudo o que queria era me sentir dentro dela, daquela caverna úmida e quente, aconchegante e enlouquecedora.
Me sentei e ela subiu em mim como uma valquíria cavalgando em Asgard. Ela subia e descia cada vez mais rápido, cada vez mais forte, cada vez com mais intensidade. Eu sugava os seus seios, alisava sua bunda, sentia a penugem fina que cobria o seu corpo.
Não sei quanto tempo durou. Só tive consciência de alguma realidade quando no momento em que ela estava de quatro e eu a penetrava por trás seus gemidos surdos se transformaram num grito de agonia e prazer que me levou a loucura e inundei seu corpo com meu sêmen farto e viscoso. Ela se levantou, me lançou um sorriso e se dirigiu ao banheiro enquanto eu ficava desfalecido, sem forças, como um boneco de pano velho jogado no fundo do quarto.
Ela se foi. Todos os dias porém, nos encontrávamos no mesmo vagão do metrô e íamos até minha casa. Nos amávamos loucamente. Eu não pensava em mais em nada. Queria apenas que chegasse a hora de pegar o metrô e encontrá-la. Ela sugava minha consciência, minha energia, meus desejos. Não queria mais nada, apenas ela. Fui ficando cada vez mais cansado, cada noite era mais intensa que a anterior. Não tinha mais disposição para nada, somente para ela. Nada tinha importância. Deixei de trabalhar, comer, sair. Minha vida era agora ir pegar aquele trem e encontrá-la todo fim de tarde. Aquela mulher misteriosa que me consumia e que eu sabia sequer o seu nome. E esse mistério me excitava ainda mais.
Não ia mais ao metrô. Na hora exata, no fim do dia, abria a minha porta e ela estava lá, a minha espera, faminta de desejo, de luxuria. Eu não era mais nada. Um farrapo de mim mesmo. Não tinha mais vontade, não tinha mais desejo, não queria mais o dia, na verdade não via mais o dia, ela me exauria por completo toda noite e eu dormia o dia seguinte inteiro. Só existia a noite.
Fui me transformando. Não via mais prazer no dia, não pensava mais no trabalho, só queria saciar a fome daquela mulher. Com o passar dos dias vi que minha disposição estava voltando, mas só a noite quando ela chegava. Durante o dia continuava sonolento, cansado, não queria levantar da cama. E com o crepúsculo começava me animar porque sabia que ela iria chegar a qualquer momento para me alimentar com seu corpo, seus beijos, seu sexo. Não conseguia mais ficar sem esse ser misterioso em forma de anjo, ou demônio, não sei.
Mas enfim tudo acabou. E na última noite que a vi, ao se despedir, ela falou: você está pronto. Pronto para saciar sua fome. Saia e vá em busca de alimento, prazer, paixão. Adeus. Nunca mais a vi. Ainda tentei procurá-la no vagão indo de estação em estação, mas não a encontrei, simplesmente ela desapareceu tão misteriosamente como surgiu, como se não tivesse existido nem antes daquele e nem agora depois do nosso último encontro. Mas tudo bem, estou sobrevivendo e como ela disse fui atrás do meu alimento e agora estou aqui nesse trem de metrô procurando saciar a minha fome. Não sei o que aconteceu, só sigo meus instintos, meus novos instintos, então vou à caça...

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

"EU SOU DRÁCULA!"


Um personagem que sempre me fascinou (e com certeza a outras pessoas também) foi o vampiro. Presente desde de a Antigüidade no imaginário popular, ora como fonte de pavor, ora como entretenimento ele teve sua imagem propagada pelos quatro cantos do mundo através, principalmente pelo cinema.
Já na Grécia antiga existiam lendas de seres que se alimentavam do sangue dos mortais (os vikrolakas). Com o passar dos séculos essas histórias espalharam-se pela Europa Ocidental causando pavor entre os povos. E foi graças a literatura que essas criaturas começaram a deixar de ser seres putrefatos e assustadores para se tornarem charmosos, sedutores e... divertidos.
Muitos autores consagrados escreveram sobre o tema, Alexandre Dumas, Lord Byron, mas os textos mais significativos do século XIX foram Carmilla de Sheridan Le Fanu e Drácula de Bram Stoker. Já no século XX o nome mais representativo desse tipo de literatura era Anne Rice que escreveu as Crônicas Vampirescas que eternizaram personagens como Louis, Lestat, Armand e outros tantos vampiros fascinantes. Até no Brasil temos nossa linhagem vampiresca através de André Vianco e as histórias de Bento e os Sete.
E como a música sempre acompanhou a literatura, os sugadores de sangue se tornaram tema lá também. Bandas como Bauhaus compunha canções como Bela Lugosi is Dead. E com o crescimento de gêneros como o death e o black metal bandas como o Cradle of Filth não só usam os vampiros como tema como se apresentam trajados como tais.
No Brasil eles ganharam um tom mais divertido e sensual. Rita Lee cantou um vampiro sedutor alvo dos suspiros de sua amada. Já Léo Jaime ficou correndo atrás de Sete Vampiras que fez parte da trilha de filme homônimo nos anos de 1980 e quem, com 30 anos ou mais, não se lembra do hit Calada Noite Preta de Vange Leonel, tema de abertura da novela Vamp nos anos de 1990?
Então é isso pessoal, desde sempre os vampiros nos assustam, fascinam e divertem, seja no cinema na literatura ou na música. Se existem ou não eu não sei, mas por via das dúvidas ande sempre com um dentinho de alho e um crucifixo perto, nunca se sabe se aquele cara da sua rua que só se veste de preto e nunca é visto à noite é fã de Marilyn Manson ou está só esperando por um mole seu e morder seu pescocinho. Um forte abraço e fiquem com Deus.

(Texto anteriormente publicado na coluna Letra Literal do site http://www.vistolivre.com/ em 28/09/2007)

sábado, 27 de outubro de 2007

TELEFONEMA DE UM AMIGO

“Alô...”
“Como vai?”
“Bem e você?”
“Estou com saudades...”
“Também...”
“Precisamos nos ver...”
“É, relembrar daquele tempo em que passamos juntos...”
“É mesmo, bons momentos, ainda sinto falta daquela época!”
“Tenho muito pra te contar...”
“Também tenho muitas novidades...”
“O que acha do próximo fim-de-semana?”
“Próximo fim-de-semana está ótimo.”
“Até lá...”
“Até lá!”


(Esses versos são dedicados ao meu grande amigo Rafael Vieira.)

sábado, 20 de outubro de 2007

SOFRIMENTO

Sinto a sua falta, não
Ouvir a doçura de sua voz, me
Falta o ar, me falta alegria,
Recordando cada minuto da nossa felicidade,
Imaginando se você não tivesse partido.
Machucou meu coração,
Esvaziou minh’alma,
Nublou meus olhos,
Trazendo tristeza a minha vida, trocando meu amor por
Outro que não te ama, nem te deseja como eu!

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

PERSONALIDADE

Este sou eu, uno,
Fragmentado.
Um ser homogêneo
De partes diferentes,
Lavoisierianamente,
Nada criado, nada perdido,
Tudo transformado.
Sou quem eu quiser,
Sou o que quiser,
Sou o nada,
Sou um deus.
Sou eu.
Fragmentado,
Um e vários.

domingo, 23 de setembro de 2007

UM CRIME PERFEITO (PARTE FINAL)

(Continuação.)
Numa noite, ao voltar para casa, planejando uma possível mudança, as pessoas já estranhavam que sua mulher não voltava, Pedro entrou em casa e ficou intrigado: a luz da cozinha estava acesa, o rádio ligado na estação favorita de Vânia. Achou aquilo estranho, não se lembrava de ter ligado o rádio pela manhã e o fato de ser justo nesta estação, bem, ele não ligava o aparelho desde aquela noite. Também não lembrava de ter deixado a luz da cozinha acesa. Passou pelo rádio, desligou e foi entrando na cozinha já com a mão no interruptor. Pedro ficou paralisado, não sabia o que fazer e apenas ficou olhando sem qualquer reação. Não podia acreditar, de costas para a porta, fazendo o jantar e cantarolando estava Vânia. Fazendo o jantar como sempre fazia e cantando a mesma canção. Ela se virou para ele. Seu rosto estava lívido como cera, seus olhos estavam sem vida, ela sorria para ele, mas seus dentes estavam amarelados e no seu pescoço estava a ferida aberta onde antes havia um machado. Ele foi recuando assustado, sem saber o que fazer foi andando para a sala devagar, enquanto isso ela procurava iniciar uma conversa informal como sempre fazia quando Pedro chegava:
- Como foi seu dia querido? Espero que não esteja com tanta fome, o jantar vai demorar um pouco.
Pedro não acreditava nos seus olhos, estava louco, pensou ele. Não podia ser, ela estava morta, ele mesmo a matou, o que era isso? Vânia ia voltar para a cozinha, então se virou e disse:
- Ah querido, ia me esquecendo... O Mauro vem jantar aqui hoje conosco, você não se importa não é? Ou você tinha outros planos para nós? - Dito isso voltou para a cozinha terminar o jantar.
Pedro estava apavorado, não sabia o que fazer, não conseguia pensar direito. Correu até o quintal. Foi até o local exato onde tinha enterrado os dois traidores. O lugar estava intacto. A terra não havia sido remexida. Então voltou para a sala, tinha que pensar em algo, ele não podia estar louco. Possivelmente isso tudo era um pesadelo e iria acordar a qualquer momento. Mas seu medo aumentou. Quando olhou para a janela da cozinha viu Vânia, ou aquilo que parecia ser sua esposa, cortando um pedaço de carne com o mesmo machado sujo de sangue que ele usou para assassiná-los. Pedro entrou correndo em casa, tinha que fazer alguma coisa. Nem teve tempo de planejar. Assim que entrou tocou a campainha. Ele foi abrir e tentava inventar alguma coisa para justificar aquele cadáver ambulante em sua casa. Abriu a porta apreensivo e quase desmaiou. Na sua frente, sorrindo com a mão estendida para cumprimentá-lo, estava Mauro com o mesmo olhar sem vida, o mesmo sorriso amarelado e com a cabeça aberta no mesmo lugar que entrara o machado.
Ele não pensou mais em nada apenas estendeu a mão para Mauro, não teve mais qualquer reação. Ao tocar a mão do amigo sentiu-a fria e do seu corpo saia um cheiro de terra com lama. Eles sentaram no sofá e Mauro foi até a cozinha cumprimentar Vânia e trazer duas cervejas. Pedro ficava cada vez mais em pânico. Não conseguia entender toda essa loucura. Mortos não voltavam do túmulo, não bebiam cerveja, não cozinhavam. Aquilo não estava certo. Enquanto isso Mauro falava de trivialidades, comentava sua última viagem, falava de futebol, que era do que gostava de falar e Pedro respondia com palavras curtas. Nesse intervalo Vânia pôs a mesa do jantar e chamou-os. Ela sentou ao lado de Pedro, acariciou sua mão e começou a falar de assuntos banais.
O jantar foi correndo dentro de uma normalidade que assombrava Pedro. Este enlouquecia cada vez mais. Olhava para os dois agindo como se nada tivesse acontecido. Parecia que não se davam conta de suas mortes. Olhava para a mesa e via o machado que Vânia usava para cortar a carne. O que pretendiam. O enlouquecer? Estavam conseguindo. Assombrar-lhe para sempre? Ele não suportaria. As horas iam passando. Os dois continuavam lá. Pedro já começava a falar coisas sem sentido. Dizia que eles tinham que perdoá-lo, que ele não queria ter feito aquilo, mas eles não davam importância, apenas papeavam. Pedro se desesperava cada vez mais, tudo a sua volta já não fazia mais sentido. Ele só queria sair dali, se livrar daqueles dois zumbis que tinham voltado para atormentá-lo.
Pedro olhou o relógio. Eram duas e meia da manhã. Foi exatamente nessa hora semanas atrás que Vânia e Mauro foram assassinados. E era nessa mesma hora que os dois se encontravam na sua sala, jogando cartas e bebericando. Era nessa mesma hora que Pedro, já completamente sem juízo, daria um fim ao seu crime perfeito. Ele se levanta, vai ao telefone e chama a polícia. Num instante de lucidez ele pensa: o que vou falar para eles, que tem dois defuntos na minha sala jogando sueca? Eles não iam acreditar. Quando ouviu alguém dizer alô ele disse:
- Houve um crime na Rua Dr. Ricardo Reis 1936, venham rápido.
Colocou o telefone no gancho, sem qualquer razão olhou para os dois. Mauro sorriu para ele e disse:
- Fez a coisa certa meu amigo.
Pedro voltou para o sofá e ficou aguardando a polícia enquanto os dois conversavam. Já não suportava o cheiro de carne morta misturada ao cheiro de terra. Não sabia o que ia fazer, apenas esperou os policiais. Não demorou muito e sirenes piscaram em sua janela. Ele correu desesperado para o portão. Mal os policiais entraram no jardim ele foi dizendo:
- Tira eles daqui, eles estão na minha sala, tira eles daqui!
- Eles quem senhor? Informaram que houve um crime aqui, foi o senhor que ligou?
- Foi, é pra tirar eles daqui, vem, eles estão na sala, com o machado, vem...
Pedro estava transtornado. Entrou correndo na sala seguido dos policiais.
- Lá estão eles, leva eles daqui que eu não agüento mais.
Os guardas se entreolhavam. Um deles disse:
- Senhor, não tem ninguém aqui.
Pedro correu os olhos pela sala, não havia ninguém. Mas sua mente estava a muito abalada, ele virou para os policiais e disse:
- Eles foram pro quintal, eles se esconderam lá, eu mostro pra vocês.
- Eles quem senhor, o senhor está bem?
- Estou, vem rápido antes que eles fujam.
Pedro estava desesperado, ele correu na frente dos guardas, pegou a pá e começou a cavar no local onde havia enterrado sua esposa e seu amante.
- Estão aqui. Os dois traidores. Estão aqui. Estão se escondendo de mim. Não querem que eu saiba o que estão fazendo, mas eu sei onde eles estão. Aqui olhem, eles estão aqui!
Pedro chamou os policiais. Estava completamente louco. Os policiais se aproximaram. Na beira da cova eles viram o que Pedro escondeu por semanas: os corpos decompostos de Vânia e Mauro e o machado ainda manchado de sangue. Pedro enlouquecido gritava para os policiais:
- Leva eles daqui. Leva eles embora. Eles querem me levar para junto deles. Eu não quero ir. Leva eles embora!
Pedro saiu carregado por dois policiais. Os vizinhos se juntaram no portão para ver o que estava acontecendo. Ouviram uma gritaria, viram um carro de polícia se aproximar e todos assistiram a prisão dele. Uns diziam que ele tinha cozinhado a mulher e o amante, outros que tinha enterrado no quintal, outros mais criativos ainda diziam que os corpos ainda estavam dentro da casa e que já tinham visto Pedro, naquela noite mesmo, conversando com eles. Quando saiu o carro cada um foi para sua casa e essa história rendeu os comentários maledicentes por, no máximo, três semanas.
Pedro não mora mais na Rua Dr. Ricardo Reis 1936, agora ele vive numa cela acolchoada num hospital psiquiátrico para detentos. Já se passaram dois anos. Pedro foi julgado como louco. Vive a base de sedativos e drogas pesadas. Os médicos dizem que seu quadro clínico é devido à culpa da traição e do assassinato de pessoas que amava. Mas dizem também que aos poucos ele vai recobrando a lucidez, em algum tempo pode até ser que ele possa se integrar à sociedade.
A sua memória está voltando. Durante esses dois anos que lhe medicavam ele tinha um único sonho, era seu reflexo vermelho diante do espelho de sua antiga casa. Era a única imagem que vinha na sua cabeça. Mas ele está ficando melhor, consegue lembrar do que aconteceu, só que não lembrar como a polícia descobriu, como foram parar na sua casa naquela noite. Não sente culpa pelas mortes. Na verdade não sente nada. A enfermeira está voltando. Vai aplicar uma outra dose dos remédios. Novamente vai dormir e ter aquele sonho vermelho, é melhor isso que pensar em tudo que aconteceu.
Pedro acordou horas depois, estava tonto, via tudo embaçado. Sentiu que tinha alguém o observando. Não identificava quem era. Poderia ser qualquer um, o médico, a enfermeira com uma nova dose, sua visão estava muito turva para identificar. Foi melhorando aos poucos. Viu que havia mais duas pessoas em sua cela. Achou estranho, em dois anos não havia tido companhia de ninguém. Se estivesse como ele, meio lúcido, teria alguém para conversar e isso era bom. Como não estava imobilizado conseguiu coçar os olhos para enxergar melhor. Entrou em pânico. Começou a gritar. A enfermeira veio correndo com outros para segurá-lo. Pedro tinha tido uma crise e gritava:
- Tira eles daqui, tira eles daqui!
- Mas não tem ninguém aqui, só você!
- Mentira, tira eles daqui!
Os enfermeiros conseguiram imobilizá-lo e lhe aplicaram um sedativo mais forte. Pedro foi acalmando e enquanto seus olhos iam fechando ele pôde ver Vânia e Mauro ao seu lado, lhe fazendo companhia e sorrindo carinhosamente. E enquanto ele adormecia, Vânia dizia:
- Eu nunca vou te deixar sozinho, meu amor, pode acreditar.
- Nem eu, até por que amigos de verdade são pra essas coisas!
- Nós vamos cuidar muito bem de você, pode ter certeza disso!

domingo, 16 de setembro de 2007

UM CRIME PERFEITO (PARTE I)

Pedro deitou na cama cansado. Seu peito subia e descia de maneira ritmada, tentando recompor o fôlego perdido. Olhou para suas mãos, estavam sujas ainda de terra e sangue. Não quis lavá-las. Queria que ficassem assim para sempre, como uma tatuagem que o lembraria a cada instante da sua dor e sua recompensa. O quarto estava escuro, mas mesmo assim conseguia ver toda a cena como num filme. Acariciava os lençóis que horas antes eram testemunhas de sua vergonha. Nem se deu ao trabalho de tirá-los da cama, lhe dava prazer o cheiro de sangue e sexo que impregnava o lugar. Não se arrependia. Não pensou em nada na hora, apenas que o mal devia ser retirado pela raiz, sua honra devia ser lavada, devia haver redenção para sua vergonha. Pedro relembrava e saboreava cada momento, cada grito, cada súplica. Deliciava-se com som de carne sendo cortada, ossos sendo partidos, o gosto de sangue respingado em sua boca.
Por ironia os dois foram enterrados um em cima do outro. Não tiveram tempo de reagir ou se explicar. O medo e a surpresa ainda estavam estampados em seus rostos quando Pedro jogou a primeira pá de terra na cova nos fundos de sua casa. Agora não ririam mais dele, não o enganariam mais. As duas pessoas em que mais confiava, Vânia, sua esposa há 15 anos e Mauro, seu amigo de infância. Não teve tempo de saber se era a primeira transa deles ou se já o enganavam há muito tempo. Também nem quis saber. A única coisa que lhe interessava ele já sabia: sua mulher estava trepando com seu amigo na sua cama enquanto estava viajando. Não quis avisar que a volta tinha sido antecipada, quis fazer surpresa, mas quem se surpreendeu foi ele. Ouviu rumores ainda da sala. Estava tudo apagado e o quarto com a luz acesa e a porta entreaberta. Eles nem ouviram seus passos de tão envolvidos que estavam. Pedro voltou ao quintal, abriu sua caixa de ferramentas, pegou o machado recém amolado na sua última viagem a Itatiaia e voltou para dentro da casa. Não disse nada. Aproximou-se da cama, olhou bem nos olhos dos dois que balbuciavam alguma desculpa esfarrapada que Pedro não ouvia. Mauro foi o primeiro, nem teve como reagir, quando tentou se enrolar no lençol sentiu a lâmina fria em sua cabeça. Toda a raiva de Pedro foi transferida para sua mão. O golpe foi certeiro. Atravessou a testa e ficou preso no osso frontal. Tirou o machado e foi atrás de Vânia que correra para o banheiro. Assustada não conseguia fechar o trinco. Pedro entrou e ainda conseguiu ouvir a esposa implorar por perdão. Era tarde, não havia perdão. O sangue jorrou em seu rosto e sua roupa. Estavam mortos. Tinha se vingado.
Não se preocupou com o sangue espalhado. Foi para o quintal e cavou um buraco bem fundo que coubesse os dois corpos. Primeiro levou o corpo de Vânia, mais leve, jogou na cova e voltou para pegar Mauro. O corpo dele era mais pesado, mas Pedro nem notava o peso, fazia tudo sem pensar muito, sua preocupação era apenas se livrar dos corpos. Tirá-los do seu convívio para que nunca mais se lembrasse da traição. Jogou o corpo do amigo por cima do de sua mulher. Era já madrugada, não havia viva alma que pudesse ver e estranhar aquele homem todo sujo enterrando alguma coisa em seu quintal. As casas estavam apagadas e nenhum vizinho ouvira qualquer ruído. Sua casa ficava no meio de um grande terreno e era impossível que alguém pudesse ouvir qualquer coisa.
Pedro acordou, sujo, cansado, não teve sonhos, não relaxou, apenas fechou os olhos e adormeceu. Olhou em volta, viu as manchas de sangue espalhadas pelo quarto, foi ao banheiro e se viu no espelho através do sangue seco. Lembrou-se de tudo. Não sentia arrependimento, na verdade não sentia nada, estava vazio. Deu-se conta de que devia limpar tudo e eliminar as provas. O machado tudo bem, havia enterrado com os corpos, mas tinha que se livrar dos lençóis, limpar tudo e, principalmente, tinha que inventar um motivo para a ausência deles. De Mauro era fácil, não era casado, sua família havia morrido, era sozinho e trabalhava viajando, se os vizinhos notassem sua ausência era só dizer que fora transferido para outro estado. Já sua mulher era mais complicado, mesmo vivendo longe dos familiares uma hora procurariam por ela e quanto aos vizinhos, era só dizer que tinha ido visitar os parentes, pelo menos por um tempo não o incomodariam.
Pedro limpou tudo, queimou os lençóis que eram a prova concreta, física da sua honra lavada. Foi trabalhar normalmente, agiu como se nada tivesse acontecido. Para os vizinhos e colegas do trabalho ele iria ficar algumas semanas sozinho devido a uma doença de algum parente de sua mulher, nada de extraordinário. Voltava para casa toda noite, jantava, via um pouco de tv e dormia cedo. Ele passou mesmo a acreditar na sua história e com isso foi criando uma rotina. À noite quando ia se deitar, porém, lembrava de tudo, dos dois juntos na cama, do vermelho do sangue, do barulho da terra caindo sobre os corpos. Acordava no meio da madrugada, sempre na hora exata das mortes, e pensava como seu crime tinha sido perfeito, sem provas, sem testemunhas, álibis perfeitos. No seu intimo se vangloriava da sua façanha. Passaram-se as semanas, numa monotonia prazerosa, Pedro deliciava-se das suas lembranças secretas, quando alguém se lembrava de Vânia ele dizia que ainda iria demorar um pouco para voltar e dizia com a segurança de que logo ela cairia no esquecimento.
(Continua...)

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

É SÓ O AMOR QUE CONHECE O QUE É VERDADE

Estou diante do computador e acabei de assistir o Acústico Sandy & Júnior que me deixou muito emocionado. Discussões de gostos à parte, o que mais me emocionou foi como suas músicas tratam do mais nobre sentimento que é e sempre foi inspiração para praticamente todos os músicos e poetas: o amor.
Foi o amor por Penélope que levou Ulisses a enfrentar a ira de Posseidon e voltar para casa depois de dez longos anos. Foi também esse sentimento que levou Tristão a se refugiar na corte do Rei Artur após fugir com sua amada Isolda, esposa de seu tio, por ele Dante atravessou o inferno para encontrar sua amada Beatriz e foi também o responsável pelas mortes de Romeu e Julieta.
Ele é tema recorrente desde os gregos antigos com suas tragédias e mitos. Histórias como a de Eros e Psique, Píramo e Tísbe, entre outras já permeiam nosso imaginário há séculos e foi fonte de inspiração de muitas obras literárias como é o caso de Tristão e Isolda e Romeu e Julieta que tem referência direta ao mito de Píramo e Tísbe. A obra A Divina Comédia mesmo (já citada em outra coluna) tem como razão de ser devido ao amor de Dante por Beatriz. O amor também foi responsável pelos mais belos sonetos em língua portuguesa. Quem nunca cantou os versos de Camões, nem que fosse ao ritmo de Renato Russo: “O amor é um fogo que arde sem se ver. / É ferida que dói e não se sente. / É um contentamento descontente. / É dor que desatina sem doer”. Nunca um sentimento tão indefinível foi tão bem definido por um poeta.
No Brasil também muitos poetas e escritores escreveram obras reverenciando o amor: Tomás Antônio Gonzaga e os versos de Marília de Dirceu, Álvares de Azevedo e seus amores platônicos, Joaquim Manuel de Macedo com sua Moreninha e o amor proibido de Riobaldo Tatarana por Diadorim, do grande mestre Guimarães Rosa.
E da mesma forma que na literatura, na música não é diferente. Várias são as formas que o amor é cantado. Pode ser pueril e até infantil como nas canções de grupos infantis dos anos de 1980 como o Trem da Alegria e até dos próprios Sandy & Júnior. Pode ser sofrido e cheio de adultérios como as canções dos anos de 1940, pode ser o amor cotidiano de músicas como Café da Manhã ou Detalhes, da melhor fase do Roberto Carlos.
Ele foi por ser cantado de várias formas que ele pôde ter a cara de cada brasileiro, desde o amor a uma prostituta (Eu Vou Tirar Você Desse Lugar, de Odair José), ao amor platônico (Timidez, do Biquini Cavadão), até mesmo ao amor homossexual (Daniel na Cova dos Leões, Meninos e Meninas e Vento no Litoral, da Legião Urbana), todas são maneiras de cantar esse sentimento que embala os corações dos homens até hoje.
Eu precisaria de um espaço muito grande para falar desse sentimento tão belo, tão contraditório e que é almejado por todas as pessoas. Mas com certeza eu retomarei o tema em outras colunas e por isso vale a dica: busquem essas obras e essas canções, vejam quais poemas falam mais fundo em seus corações e declamem para a pessoa amada. Vamos espalhar o amor que é isso que anda faltando nesse mundo louco. E para finalizar deixo vocês com mais um pouco de Camões: “Eu cantarei de amor tão docemente, / por uns termos em si tão concertados, / que dous mil acidentes namorados / faça sentir ao peito que não sente.” Um forte abraço e fiquem com Deus.
(Texto originalmnte publicado na coluna Letra Literal, no site www.vistolivre.com de 05/09/2007.)

sábado, 25 de agosto de 2007

RENATO RUSSO - O POETA ROMÂNTICO DO SÉCULO XX

Na coluna Música e Bem-Estar da semana passada, o colega Wenderson Sena citou alguns artistas que morreram em decorrência da AIDS, um deles foi Renato Russo. A minha geração (e as seguintes) se acostumou a tratá-lo como um poeta e suas canções considerados hinos que faziam parte do repertório de qualquer rodinha de violão. Mas será que Renato era mesmo esse gênio da palavra que tanto nos encantou? Vejamos...
No segundo disco de carreira da banda tinha uma canção chamada Índios. Essa música falava da perda da inocência, nela é usada uma alegoria do Desobrimento do Brasil onde o índio é corrompido ao ter contato com o europeu. Esse tipo de representação, do selvagem puro e inocente que se corrompe com o contato com o civilizado é o Mito do Bom Selvagem de Rosseau. Essa era a idéia central dos poemas da primeira geração romântica que buscava um herói nacional, o índio, e o idealizava como valoroso e nobre, basta ler O Guarani, Iracema ou os poemas épicos O Uraguai e I-Juca Pirama para constatar a semelhança.
Numa nova fase da banda, mais especificamente no disco V ele nos brindou com a belíssima Vento no Litoral. Era uma canção melancólica, fazia uma associação do amor à morte, amor esse que não se concretizaria mais. Esses elementos, a morte, o amor platônico, a melancolia, eram elementos fundamentais para a segunda geração do Romantismo no Brasil. Inclusive o cenário e a temática se assemelham ao poema Sonhando de Álvares de Azevedo, o maior nome dessa geração.
A terceira geração romântica se caracterizava por um discurso politizado, defendia ideais como a abolição dos escravos e a república e seu versos eram feitos para se proclamar em praça pública. Muitos são os exemplos de canções politizadas da Legião Urbana principalmente no seu início: geração Coca-Cola, Que País é Esse?, Perfeição.
Como podemos ver Renato Russo era sim um poeta de grande inspiração que voluntária ou involuntariamente abraçou as várias fases do Romantismo, escola que mais perdurou no século XIX. E até mesmo sua conduta rebelde fazia jus aos grandes nomes da poesia como o próprio Álvares de Azevedo, Byron e tantos outros e como eles rebelde, visceral e genial.
(Texto anteriormente publicado na coluna Letra Literal, no site www.vistolivre.com)

domingo, 19 de agosto de 2007

ESPERAR...

...9 meses para nascer,
1 ano para andar,
2 para falar.
Ir para a escola, uns 5 anos,
Pra balada, uns outros tantos.
12 anos pro primeiro beijo,
15 pro primeiro encontro,
pra transar, Deus sabe quando!
Pra trabalhar, uns 18 e tantos,
Sair de casa, mais alguns anos.
Pra casar, esperar a noiva
(atrasada como sempre).
Filho, não espera muito,
Esse, vem de repente.
Esperar comprar a casa,
Pagar tudo, esperar sentado.
Um carro não pode esperar,
Tem que ser usado.
Filho não espera:
Hospital, escola, festa.
O fim do mês, não tem pressa;
Mas a gente espera.
Esperar o salário atrasado.
Não esperam, já é cobrado.
Esperar o filho crescer,
Guardar dinheiro
E esperar a profissão que vai escolher.
Esperar a filha pra levar pro altar,
Esperar o neto chegar, chamar pra brincar.
Esperar a vida passar,
Esperar a morte chegar,
Esperar pra descançar,
Esperar...

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

RECOLHENDO OS CACOS

Recolhi os cacos,
Estou me reconstruindo.
Ainda há desencanto,
Desalinho.
Mas vou sarar,
Já recolhi os cacos,
A cola do tempo
Há de dar liga.
Estou pronto pra nova batalha.
Vou à luta.

TEMPO...

Tempo passado,
Tempo presente,
Tempo esgotado,
Tempo crescente.
Tempo de ação,
Ação do tempo.
Tempos de amor,
Amor de tempos.
Tempo que passou,
Passatempo.
Tempo perdido,
Perdido no tempo.
Viagem no tempo,
Tempo de viagem.
Memória de tempos,
Tempos imemoráveis.
Tempo de lutar,
Lutar a tempos.
Tempo de futuro,
Ver o futuro a tempos.
Tempo de ver,
Tempo de falar,
Tempo de ouvir,
Tempo de brigar.
Viver sem tempo,
Sem tempo para viver.
Parado no tempo
E o tempo não pára.
O nascer dos tempos,
O tempo de nascer.
O fim dos tempos,
O tempo de morrer.
Tempo de pecar,
Tempo de paixão.
Tempo de perdoar,
Tempo de solidão.
Tempo, há tempos,
Tempo dos tempos,
Tempo...

terça-feira, 24 de julho de 2007

FESTA JUNINA

Bandeirinha e balão,
Andorinha no salão.
Barraquinha de churrasco,
Pescaria e quentão.
Pula a fogueira iá-iá,
Pula a fogueira iô-iô,
Vamos pra roda dançar,
Comer maçã do amor.
Luar de Santo Antônio,
São Pedro e São João,
Luar de junho,
Luar do sertão.
A zabumba e o fole,
O baião e o xote.
Pega ela gavião
E aquece o meu coração,
De saudade e alegria
Da meninice vadia.
Olha a chuva, olha a cobra,
É mentira, voltou,
É casamento na roça,Num tempo que passou.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

INCLUSÃO DIGITAL

Muito tem se falado em “inclusão digital”, que é preciso levar a informática às camadas menos favorecidas, fazer com que os jovens das comunidades pobres tenham acesso a Internet igual ao da classe média, inclusive com o lançamento, por parte do governo, de um programa (mais um) de computadores populares. Mas será que essa é a solução para adequar esses desfavorecidos sociais a realidade de hoje?
Bem, para começar, realmente tem que dar oportunidade às pessoas das periferias para que possam aprender a usar esses aparelhos tecnológicos, até para entrar no mercado de trabalho, só que ninguém se lembra que para usar um computador é preciso ler o manual do aparelho, ler o que está na tela para saber o que fazer, ler os manuais dos programas que a maquina vai utilizar, produzir textos (como se fazia com as máquinas de escrever), enfim, é preciso, antes de tudo saber ler e escrever.
Como pode então o governo apregoar aos quatro ventos que é preciso fazer essa tão falada inclusão digital quando ele ainda não fez nem uma “inclusão literária”? E inclusão literária dita aqui não é o domínio das escolas literárias ou se tornar um especialista em literatura, é algo mais essencial, é simplesmente saber ler e entender o que foi lido, é saber usar a língua informal de sua comunidade, mas também a língua padrão para que possa se adequar aos padrões sociais de comunicação, é deixar de ser um analfabeto funcional.
No Brasil 60% dos jovens entre 15 e 24 anos nunca leram um livro na vida. A maioria da população com ensino médio completo é considerada analfabeto funcional, ou seja, essas pessoas conseguem decodificar as letras, formar palavras e ler o que está escrito, mas não conseguem entender nada do leu, além disso, elas não são capazes de produzir uma simples redação por total falta de conhecimento de vocabulário e regras gramaticais. Com um quadro como esse, como pode o governo falar em colocar um computador em cada residência, quando ainda não colocou um leitor competente em cada uma?
Novamente, é importante fazer sim uma inclusão digital, para que possamos, inclusive, competir em pé de igualdade com os países desenvolvidos, mas é importante fazer campanhas fortes de incentivo a leitura, melhorar os currículos escolares, facilitar o acesso aos livros,seja em bibliotecas públicas ou favorecendo a compra em livrarias, enfim, fazer com que esse jovem e até mesmo esse adulto se torne um usuário competente da língua, faça com que ele seja um leitor capaz de apreender o que foi lido, aí sim, quando esse quadro se reverter poderá se falar numa real inclusão digital, já que a social já terá sido feita e essas pessoas, que hoje tem dificuldade em manusear o controle remoto da televisão, poderão se tornar passageiros de primeira classe nesse universo virtual que é a Internet e o mundo da informática.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

ENCONTRO CASUAL


Era um fim de tarde quente no Rio de Janeiro e eu estava num quiosque do Arpoador bebendo uma cerveja gelada e curtindo o pôr-do-sol. Já era um costume meu nos dias quentes deixar o carro em casa e ir andando até o trabalho, morava em frente a Praça General Osório e trabalhava na Nossa Senhora de Copacabana e principalmente no verão fazia este trajeto para poder contemplar o início da manhã no mar de Ipanema, o céu azul e dourado no Arpoador, via os pescadores já iniciando seus trabalhos lá no Forte de Copacabana e na volta sempre parava para ver o pôr-do-sol. Portanto era só mais um dia normal.
Estava tudo tranqüilo até que algo me chamou atenção, aparentemente nada importante, mas mesmo assim pouco comum. No meio da areia apareceu, como se tivesse simplesmente se materializado no ar uma moça de mais ou menos vinte anos, muito bonita e que parecia perdida ou procurando alguém. O estranho é que parecia que só eu a via, ninguém reparava nela ou lhe oferecia ajuda. Ela ficava ali parada na minha frente olhando para os lados, com um olhar perdido, imóvel. Eu então comecei a observá-la. E realmente era uma menina linda, cabelo castanho até os ombros, tinha os seios medianos e o quadril largo, estava usando um desses vestidos de verão de tecido sintético que destaca bem a silhueta do corpo, porém que não revela nada além disso. Tinha alguma sensualidade, mas não muita, no geral era uma típica garota carioca igual a tantas outras por aí. Entretanto essa me chamava a atenção não sabia o que era, parecia que estava hipnotizado por ela e fiquei ali da minha mesa observando-a e tentando ser o mais discreto possível.
De repente ela começou a olhar na minha direção, num primeiro momento achei que não fosse comigo, olhei inclusive para trás, poderia ser a pessoa que ela esperava, mas não havia ninguém atrás de mim. Comecei a disfarçar, ela poderia estar se sentindo invadida com a maneira como a observava então virei para outro lado e fiquei contemplando a paisagem local. Mas não demorou muito para que me virasse novamente para ela e fiquei surpreso ao ver que ainda me olhava e mais, com muito mais indiscrição que eu a ela. Fiquei até certo ponto constrangido e tentei disfarçar essa situação, mas não consegui, era evidente meu acanhamento.
A moça começou a se vir na minha direção e parou em pé na frente da minha mesa. Eu me levantei e a convidei para sentar, ela não disse nada e nem fez qualquer menção de aceitar o convite. Perguntei seu nome, não me respondeu, apenas se virou para a pedra e fez sinal para que a seguisse. Eu fiquei ali parado feito um idiota sem querer acreditar que uma mulher bonita poderia simplesmente se aproximar e me levar lá para cima, acho que nem nos filmes pornôs mais absurdos isso poderia acontecer. Ela se virou mais uma vez e novamente fez sinal para que a seguisse, então paguei a cerveja que nem havia terminado e fui atrás dela. No caminho fui pensando quem seria essa garota que simplesmente acenou para um desconhecido de maneira fria e indiferente e ia saindo do meio da multidão para um canto mais reservado da praia.
Fui subindo a trilha pedra acima com alguma dificuldade graças a falta de exercícios e por não ser mais um garotão de dezoito anos, ela, entretanto subia numa rapidez e agilidade que às vezes parecia que não tocava o chão. Quando cheguei lá em cima já estava escuro, mal conseguia enxergar. Foi quando senti uma mão fria em meu ombro me virando, olhei assustado e era ela na minha frente. Da mesma forma que na areia ela continuava com o olhar perdido, não esboçava qualquer sorriso, não tinha nenhuma expressão.
Eu perguntei seu nome mais uma vez, ela novamente não respondeu, simplesmente segurou firme minha cabeça e me beijou, um beijo que nunca tinham me dado antes, um beijo ardente, com uma paixão desesperada como se tudo fosse desaparecer a qualquer momento. Era o beijo de alguém que estava com os minutos contados e que só tinha esse momento para beijar a pessoa amada e se entregava de corpo e alma. Quando me largou estava completamente sem ar. Já que não me dizia qual seu nome, perguntei de onde era, ela continuava muda olhando para mim como se estivesse contemplando meu rosto. Novamente ela me beijou e desta vez fiquei entregue a sua luxúria. Foi aí que percebi o seu perfume que parecia o cheiro do mar e pude sentir como seus lábios eram salgados. Quando ela parou de novo de me beijar disse que parecia uma sereia, com cheiro e gosto de mar, foi único momento que sorriu, mas foi um sorriso triste e logo voltou sua expressão anterior.
Depois disso eu perdi totalmente o controle da situação, ela começou a beijar meu pescoço, foi abrindo minha camisa, eu tirei seu vestido e comecei a beijar seu corpo, era um corpo frio, porém delicioso, no calor daquela noite, ele até me refrescava. Ela foi descendo, abriu a minha calça e daí perdi os sentidos, ou acho que perdi, só sei que era um turbilhão de sensações, o cheiro do seu corpo se misturando ao meu, o gosto do seu sexo em minha boca, a sua mão fria no meu sexo... Foi maravilhoso e estranho ao mesmo tempo, algo que nunca havia sentido, foi uma mistura de paixão e desespero.
Quando terminou tentei mais uma vez saber seu nome e seu telefone, ela simplesmente se vestiu, virou-se e foi embora pela mesma trilha que subimos. Fui correndo para ver se a alcançava, entretanto quando virei a curva que nos separava, ela havia desaparecido. Sumiu da mesma forma que surgiu, como se tivesse sumido no ar. Fui descendo a trilha meio desolado, apesar da transa maravilhosa, sabia que nunca mais saberia quem era aquela moça, foi quando me dei conta do horário; já passava das onze da noite, eu tinha que ir para casa descansar para trabalhar no dia seguinte.
Durante uma semana eu parei no mesmo quiosque em que vi aquela menina na esperança de encontrá-la novamente, achava que ela tinha gostado tanto quanto eu da nossa aventura e que apareceria lá de novo, mas não apareceu. Eu ficava lá até nove, dez horas da noite esperando até que não restasse mais ninguém na praia então ia embora.
Já tinha desistido de encontrá-la e me conformado de guardar essa história para mim quando numa manhã algo surpreendente aconteceu: estava tomando meu café da manhã em casa, lendo meu jornal, quando uma matéria pequena e sem muita importância me chamou a atenção. Haviam encontrado nas areias da praia do Arpoador o corpo de uma jovem de vinte anos que tinha ficado presa na rede de alguns pescadores, ela estava já bem deteriorada por ter ficado tanto tempo no mar, porém os peritos da policia conseguiram identificá-la pela arcada dentária e descobriram que era uma jovem que havia desaparecido a pelo menos uns três meses e que segundo os laudos tinha cometido suicídio. A família não descartava essa hipótese já que a moça apresentava um histórico médico de depressão e na noite anterior ao seu desaparecimento ela havia terminado seu noivado de três anos e ela sempre dizia que quando morresse queria que seu corpo fosse jogado no mar da praia do Arpoador que era seu canto favorito no Rio. Segundo o jornal esse episódio aconteceu um dia antes do meu encontro com a moça misteriosa.
Eu li essa matéria mais por curiosidade, sempre me chamou a atenção jovens que tiravam a própria vida, sempre tive pena dessas crianças desesperadas que não tem forças para enfrentar as frustrações da vida que ainda está no começo, porém meu susto foi imenso ao ver a foto do corpo resgatado; era o mesmo vestido que a mulher misteriosa, num reflexo automático olhei a foto com o rosto dela ao lado; quase caí da cadeira. Era a mesma moça da pedra. A mesma que me beijou apaixonada e desesperadamente. Eu não podia acreditar e não conseguia entender. Eu era engenheiro, um homem cético que nunca foi religioso ou que tivesse qualquer pensamento ou crença sobrenatural, aquilo não podia ser possível... Bem, tudo aconteceu há uns seis meses e hoje sei quem é aquela garota, apesar de não poder encontrá-la mais. Ainda não consigo entender, nem acreditar, estou apenas contando esta história para que alguém possa me dar qualquer explicação sobre esse assunto. Nunca acreditei em fantasmas ou fenômenos sobrenaturais, mas por via das dúvidas nunca mais olhei para moças misteriosas, nem parei mais para tomar cerveja na praia vendo o pôr-do-sol, até por que, nunca se sabe o que pode acontecer ou quem você pode encontrar.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

INCONFORMADO

Não escreverei poesia, não contarei uma história, nem tão pouco falarei de temas nobres como educação ou sublimes como música. O momento é de desabafo. A indignação foi gerada por uma notícia de violência (mais uma) no Rio, porém não um crime banal dessa guerra insana entre polícia e bandidos. Claro que esses crimes não são de menor importância, entretanto esse é um daqueles que nos faz questionar o que está acontecendo com os valores universais da civilização, valores que estão acima e qualquer crença, classe social ou moralismo hipócrita.
Vamos aos fatos: na última semana, numa delegacia da Barra da Tijuca uma empregada doméstica que estava indo ao médico foi agredida num ponto de ônibus. Isso ocorreu por volta de cinco e cinco e meia da manhã segundo seu relato um carro parou no ponto, um grupo de jovens desceu do veículo e a espancou sem qualquer motivo aparente (se é que há motivo para agredir alguém). Para sorte dessa moa ainda existem seres humanos dignos, um taxista que testemunhou a agressão anotou a placa do carro e levou ao local onde a doméstica trabalhava. A polícia identificou e prendeu os agressores, todos rapazes “bem criados” e bem nutridos que moram numa dessas fortalezas chamadas condomínios fechados. A alegação deles para o crime foi a mais interessante, eles fizeram aquilo porque pensavam que ela era uma prostituta.
Agora vejam vocês, esses rapazes que sempre tiveram conforto, estudaram em boas escolas, possivelmente estudam nas melhores faculdades do Rio e que herdaram, provavelmente, os negócios da família de acharam no direito de parar o carro numa avenida e simplesmente espancar uma pessoa devido a sua atividade, ou seja, esses meninos bem educados se acharam no direito de julgar e executar esse julgamento pelo simples fato de uma pessoa muita das vezes num ato de desespero e desencanto vende o seu corpo para não morrer de fome, essas crianças se viram na “missão” de “limpar a rua” de prostitutas. E não se deram ao trabalho de imaginar que essa “puta” é alguém que ama, sofre, come, dorme, consome e vive como qualquer pessoa digna e o pior acharam que por estar andando de madrugada qualquer mulher e prostituta e não cogitaram que poderia ser uma empregada doméstica.
O que mais me assusta é que existem aos montes outros meninos iguais a esses. Eu sou professor formado e ainda não exerço a função e me pergunto onde estão os pais desses pequenos monstros, que valores eles estão transmitindo aos seus filhos e pior ainda, como será a sociedade quando esses moleques assumirem o lugar dos pais, porque esses foram pegos, acredito infelizmente que não por muito tempo, já que o papai com certeza contratará um bom advogado para livrar a cara deles, mas os que estão por aí sem serem descobertos.
Esse é um desabafo de um educador indignado e um cidadão assustado, essa doméstica poderia ser minha irmã, sua prima, a amiga do seu vizinho, poderia ser alguém próximo a qualquer um de nós. Para terminar faço um apelo a todos os pais que acham que educar é mandar seus filhos para a Disney e mais nada: olhem para suas crianças, vejam o que estão fazendo, vocês podem estar criando um monstro. E não me venham com desculpas que trabalham demais, meus pais também trabalhavam demais e não saio por aí espancando empregadas ou prostitutas.

terça-feira, 19 de junho de 2007

DOR DE CABEÇA

Dor
Constante
Cortante
Latejante
Dor
Persistente
Insistente
Contundente
Dor
De cabeça
De tristeza
Da incerteza
Dor
De amor
Sem torpor
Com furor
Dor
Que não passa
Que esmaga
Que traspassa
Dor
Da alma
Sem calma
Que espalma
Dor
Que perfura
Transmuda
Transfigura
Dor
Profunda
Imunda
Moribunda
Dor
Do coração
Sem razão
Com paixão
Dor
Assim
Dor de mim
Sem fim
Dor...

domingo, 10 de junho de 2007

TEM POESIA NA MÚSICA

Para a maioria dos jovens de hoje música e poesia são coisas totalmente distintas. Um é relacionado a diversão, sentimentos de alegria ou tristeza e é parte importante da vida de muitos deles, já a poesia é só aquele negócio chato de aula de Literatura e prova de português. Mas o que esses garotos e meninas não sabem é que eles são muito semelhantes não só nas características gerais – ambos possuem métricos, rima, ritmo – como no tocante aos sentimentos.
Desde os primórdios da poesia eles andam juntos. Na Antigüidade os poemas eram cantados por não haver escrita difundida nas civilizações da época, a Epopéia de Homero, por exemplo, tem seus mais de quinhentos versos cantados. Fato que se repete pela idade Média. Quem nunca ouviu falar nos trovadores e menestréis? Esses artistas de rua iam de cidade em cidade divulgando suas cantigas de amor, escárnio, amigo e maldizer, não muito diferente dos artistas de hoje.
E não é só dessa forma que essas duas expressões artísticas se aproximam. Muitos compositores do século passado voluntária ou involuntariamente escreveram obras dignas das escolas literárias brasileiras. O que foi a Tropicália se não uma versão MPB da antropofagia de Oswald de Andrade? A estética que misturava ritmos brasileiros com guitarras de rock foi uma das maneiras de aplicar o conceito modernista de Oswald que era pegar o que havia de melhor na nossa cultura e misturar com o que havia de melhor do que vinha de fora.
Outro exemplo são as canções feitas na época da Ditadura como “Casa no Campo” e “Além do Horizonte” que carrega elementos do Parnasianismo, escola literária do século XVIII ou “Vento no Litoral” da Legião Urbana que tem enorme semelhança com a poesia “sonhando” de Álvares de Azevedo, um dos maiores nomes do Romantismo brasileiro?
E não é só na carga de elementos semelhantes que a música e a poesia se aproximam, muitas canções que fizeram sucesso nas rádios são na verdade poemas musicados e exemplos não faltam: “Rosa de Hiroshima” de Vinícius de Moraes virou sucesso com Secos e Molhados, “Fanatismo” da poetisa portuguesa Florbela Espanca fez um grande sucesso nos anos de 1980 na voz de Raimundo Fagner e não podemos esquecer de “Monte Castelo” canção da Legião Urbana que usa os versos de Luís de Camões.
Portanto como pôde ser ilustrado (de forma superficial é claro) a música e a poesia não só são próximas como praticamente dois lados da mesma moeda. E agora quando você for ouvir aquela canção que embala seu coração experimente fazer essa brincadeira, pesquise e descubra com que poesia ela se parece, veja se tem a ver com alguma escola literária e entre nesse universo maravilhoso que também faz rir, chorar, divertir e conscientizar.
(Texto anteriormente publicado no site www.vistolivre.com, na coluna Letra Literal de 25/04/07.)

segunda-feira, 4 de junho de 2007

ESTOU SÓ

Estou só.
Nesse recanto vazio de móveis
E espelhos,
Tenho apenas a mim mesmo.
Olho em volta e vejo meu reflexo,
Não do meu rosto, mas da minha alma,
Alma, esta, que me faz companhia
Nesse recanto de solidão.

Ninguém para conversar,
Somente a minha consciência
Que me ouve e me vê chorar.
Não há um ombro amigo,
Estou aqui esquecido
Nessa tenda de circo de horrores
Vendo meu reflexo
E refletindo sobre minhas dores
E meus amores.

As horas passam como num relógio de areia,
Grão por grão.
O tempo marcado por esse relógio lento que não marca as horas,
Mas os dias, as semanas,
As estações mortas.
Olho para esse lugar de móveis e espelhos velhos
Que refletem minha velhice, como esses móveis
E o relógio de areia do tempo que marca
O nascimento de cada ruga
E a lembrança de cada rusga.

Estou só.
Tento conversar comigo mesmo
Defronte ao espelho.
Olho para mim e digo:
“O que foi feito?
O que foi dito?
O que foi perdido?’
E digo para mim mesmo:
“Feito... nada!
Dito... palavras ralas!
Perdido... amores por nada!”

Olho para além dos móveis e espelhos
E tento contemplar o futuro.
Mas não há janelas. Só espelhos.
Que me mostram o passado.
Tudo que foi passado por mim e para mim
Nesses anos que eu não olhei para o espelho
Que guarda minha alma e por isso,
Agora estou só
E só me resta ter calma.

Estou só.
Só comigo mesmo num quarto com espelhos
E móveis velhos,
Como minha alma
Que está estampada na minha face
Para passar a limpo
E me mostrar que não há mais nada
Por trás de minha cara enrugada,
Apenas as lembranças passadas
Diante do espelho.

terça-feira, 29 de maio de 2007

EDUCAÇÃO É DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO

O título acima pode ser encontrado em qualquer constituição dos países ocidentais, seja na Europa, ou nos EUA e até mesmo nos países sul-americanos. Na nossa legislação, em vigor desde 1988 também existe essa determinação, inclusive,por isso, há uma tentativa dos governos em reduzir a zero o analfabetismo no Brasil fazendo uso de programas assistencialistas para manter as crianças nas escolas. Mas por que ainda é tão difícil para pessoas mais pobres chegarem às universidades e ascenderem socialmente através do estudo e competirem de igual para igual no mercado de trabalho com os mais favorecidos?
Esse comportamento – educação oferecida pelo estado – é recente, surgiu no final do século XIX. Devido a Revolução Industrial que cada vez mais precisava de mão-de-obra especializada para trabalhar nas fábricas das grandes cidades foi preciso repensar a estrutura social, daí surgiram conceitos como o estado laico e o assistencialismo às camadas mais pobres da população. Mas desde essa época já houve uma segregação disfarçada de ajuda. A educação passou a ser sim direito de todos e dever do estado, porém não foi dito que ela seria IGUAL para todos. Então o que aconteceu (e continua a acontecer) foi que os filhos dos operários iam para escola como o filho do dono da fábrica, entretanto não era a mesma escola, quando cresciam o filho do operário tinha aprendido a ser apenas operário e ia trabalhar na fábrica do filho do industrial que tinha se preparado pra ser industrial igual ao pai. E o que tudo isso tem a ver com a nossa realidade hoje? Muito simples, o que vemos hoje é o mesmo que acontecia no final do século XIX na Europa. O filho do operário, do camelô ou da doméstica vai continuar os passos do pai e o filho do juiz, do médico ou do político vai ser preparado para as profissões do topo da escala social.
Trazendo para a nossa realidade isso fica claro ao assistirmos a propaganda eleitoral e os dois candidatos à presidência da república alardearem que vão construir mais escolas técnicas. Ora enquanto seus filhos e netos terão acesso aos melhores colégios do país onde terão contato com a história da humanidade, a literatura, filosofia e com um ensino voltado a prepará-los para a disputa das mais renomadas universidades e os principais concursos públicos do país, o filho do mecânico, do bombeiro hidráulico, do técnico em eletrônica, vai continuar a ser apenas técnico. Sem qualquer aprofundamento em outras áreas do conhecimento humano esses jovens aprenderão apenas o suficiente para tornarem-se técnicos em alguma área profissional sem reais condições de disputa por vagas nos bancos acadêmicos ou no mercado de trabalho. Mesmo dentro da lei – que é proporcionar educação para todos – ainda assim há uma separação social onde o filho do pobre vai continuar não tendo chances de subir na escala social e o filho do rico vai continuar no topo dessa escala. O que deve ser feito então é uma reformulação total no sistema educacional do país, é preciso olhar os programas de educação realmente eficientes de outros países onde todos têm chances iguais de progresso, como é o caso da Coréia do Sul e também olhar para programas que dão certo aqui mesmo no Brasil, padronizando as escolas públicas com escolas que sejam referenciais de eficiência, é aparelhar melhor essas instituições, dar condições aos professores de se especializarem, se atualizarem, ganharem salários dignos e melhores condições de trabalho sem cargas horárias desumanas. Só assim o filho do técnico em eletrônica poderá um dia se tornar um analista de sistemas, o filho do pedreiro poderá ser um dia um engenheiro e com reais chances de disputar concursos e vagas no mercado de trabalho com o filho do patrão do seu pai.
(Texto originalmnte publicado na Revista Mercês de dezembro de 2006.)

segunda-feira, 28 de maio de 2007

A VOLTA (PARTE FINAL)

(Continuação)
Foi pensando assim que o rapaz foi se dirigindo ao hotel. Realmente era fácil de achá-lo. No caminho ele olhava os rostos das pessoas e não reconhecia em seus traços qualquer semelhança com pessoas do seu passado e eles também eram indiferentes, ninguém conhecia e não tinha qualquer interesse em conhecer aquele forasteiro que estava andando pela cidade, provavelmente era mais um pesquisador que ia conhecer a serra. Mauro se hospedou no hotel e foi direto para o quarto. Estava cansado física e emocionalmente, não esperava que sua viagem tivesse tomado esse rumo. Tomou um banho, pediu um lanche no quarto, ficou na cama vendo tv, só desceu para jantar e depois voltou para dormir. Não tinha coragem de procurar Flavinha naquele dia, não sabia se suportaria mais alguma decepção, preferiu reunir forças, descansar e decidiu sair bem cedo, logo pela manhã para ir a casa dela. Ainda lembrava o caminho, mas depois do que lhe aconteceu, não significava muita coisa.
O telefone do quarto tocou logo cedo. Mauro ainda estava mais dormindo que acordado quando ouviu do outro lado da linha uma voz de sotaque carregado dizendo:
- Senhor Mauro? São oito em ponto, o senhor pediu para lhe acordar nesse horário. O café já está servido e fica até às dez horas, se o senhor preferir podemos mandá-lo ao seu quarto.
- Não, muito obrigado, já vou descer.
- Tudo bem senhor, tenha um bom dia, se precisar de um guia e só solicitar-nos.
- Tudo bem, não vou precisar não, bom dia.
Um guia. Mauro ficou pensando na indicação, precisava de um guia, mas não de forma convencional, ainda sabia andar pela cidade, as ruas não mudaram de lugar. Precisava, sim, era de alguém para lhe guiar pelas mudanças que se abateram lá.
Depois do café ele começou a caminhar pela avenida em direção a casa de Flavinha. Ainda lembrava o caminho, se é que ela ainda morava com seus pais, mas pelo menos teria alguém para lhe indicar o paradeiro dela. A rua ainda era a mesma. No fim da rua principal, virando à esquerda e depois à direita, ele tinha que seguir, passar pela igreja, a praça paroquial e três casa depois estaria na casa da família dela. Ele foi olhando o caminho. Nesse trecho da cidade não teve qualquer mudança. Provavelmente os moradores das casas são outros, mas as fachadas ainda são as mesmas. A igreja e sua praça também não tinham sofrido qualquer mudança. Olhou para o coreto abandonado e se viu menino, correndo pelo gramado, subindo nos bancos de concreto, brincando com seus primos num domingo ensolarado. Primos que não via há muito tempo e que não tornaria a ver.
Mauro chegou em frente a casa. A mesma ansiedade da véspera voltou, mas já não tinha a mesma ilusão. Bateu palmas, não havia campainha no portão. De lá de dentro veio uma mulher, provavelmente da sua idade, um pouco envelhecida pelo trabalho doméstico, mas ainda assim bonita. Ela veio até o portão ver o que queria aquele estranho em sua porta. No princípio ele não a reconheceu, até que mais perto, quando ela chegou no portão e o estranho viu seus olhos. Os mesmos olhos de vinte anos atrás, com a mesma doçura, apesar da vida difícil, com o mesmo brilho que fez com que se apaixonasse perdidamente. Ao vê-la não conseguiu falar. Era ela que estava ali na sua frente. A viagem não tinha sido em vão. Ela por sua vez não entendia por que aquele homem estava no seu portão com lágrimas nos olhos, sorrindo para ela e mudo. Ele criou coragem e falou:
- Voltei para cumprir minha promessa. Vim pra te levar pra morar no Rio.
Num primeiro momento Dona Flavinha, como era conhecida agora, não entendeu nada, promessa, que promessa? O que esse sujeito estava falando, porém, como se tivesse sido aberta uma cortina para o passado ela se viu com dezesseis anos e aquele homem de quase quarenta anos se transformou em Maurinho, seu amigo e amor secreto. Ela não se conteve, abriu o portão e pulou em seus braços, apertando-o como se dessa forma compensasse todos os anos que ficaram separados por um país de distância.
Eles entraram. A casa ainda era a mesma, mas a decoração havia mudado. Ela falou que seus pais tinham ido viver em São Luiz do Maranhão e ela ficou com a casa. Disse que casou, teve filhos, tinha virado dona de casa. Ele por sua vez falou de sua carreira como acadêmico numa conceituada universidade do Rio. Contou como foi sua vida lá, sua tristeza de ter ido embora e o seu desejo de reencontrá-la. Então falou o que não teve coragem há vinte anos atrás:
- Nesse anos todos me envolvi com alguma mulheres, mas nenhuma conseguiu tirar você da minha cabeça. E a todo o momento lembrava da promessa que eu fiz pra você quando fui embora e de como me doeu não ter me declarado a você. Eu te amo desde aquela época e nunca te esqueci. E eu vim pra tentar recuperar o tempo perdido, te levar pra ser minha mulher, viver comigo no Rio, diz que aceita, diz que me ama e que é isso que você quer.
Flavinha ouviu com ternura tudo que Mauro disse. E realmente se sentiu por um instante tentada a largar tudo, casa, filhos, marido, e partir nessa viagem, mas ela não era dada a acessos de paixões, então ela olhou nos olhos de Mauro e disse:
- Desde que éramos meninos, eu te amava e sabia que você também, eu via nos seus olhos. Eu passava noites em claro pensando quando você ia se declarar ou se eu teria coragem de fazer isso. Quando você foi embora eu sofri muito. Fiquei anos esperando uma carta sua que nunca chegava. Até que eu passei a acreditar que você havia me esquecido. Você tava no Rio de Janeiro, convivendo co mulheres lindas, nunca ia ficar pensando numa caipira como eu...
- Mas eu pensava em você o tempo todo!
- Não pense que estou te cobrando nada, deixa eu terminar, por favor! Então eu procurei te esquecer também. Nessa época eu comecei a me aproximar de Jorge, primo de Sorlene, minha amiga. Nós ficamos amigos, eu abri meu coração pra ele e acabamos nos apaixonando. Bem, eu achei lindo o que você fez, de ter vindo aqui cumprir sua promessa, agora tenho certeza que meu amor por você era correspondido, mas era um amor de crianças e que deve ficar no passado, como uma lembrança de uma brincadeira gostosa. Hoje eu tenho um amor maduro, tenho meus filhos, uma vida que eu não posso e nem quero largar. Eu não vou pro Rio com você, mas você pode ter certeza que nunca vou esquecer essa declaração que você fez, nunca vou esquecer do nosso passado e saiba que mesmo não tendo mais ninguém da sua família por aqui eu sempre vou estar aqui, no mesmo lugar, sempre que você precisar de uma amiga.
Mauro ouviu essas palavras, triste, não era assim que ele havia imaginado que seria. Ele achava que Flavinha largaria tudo para ir embora para o Rio. Ele não tinha mais nada que fazer ali. Despediu-se com um sorriso no rosto e uma lágrima no coração. Não olhou para trás e não viu a lágrima que caia do rosto de Flavinha quando ele foi se afastando. Desiludido, Mauro parou na rodoviária e procurou saber qual o primeiro ônibus ou van que sairia para Petrolina naquele dia. Não tinha por quê ficar mais tempo na cidade, essa não era mais sua cidade. Soube que sairia um ônibus dali a uma hora, tempo mais que suficiente para voltar ao hotel, pegar sua mala e encerrar a conta.
No caminho de volta para Petrolina ele foi pensando em tudo o que aconteceu, em como os elos com o seu passado foram corroídos pela ferrugem do tempo, pelo não cultivo das relações. E pensou também nas palavras de Flavinha. Foi então que percebeu que ela tinha razão. Eles não eram mais os mesmos, ele não era mais o Maurinho, ela não era mais a Flavinha, era Dona Flávia e não se adaptaria ao Rio e seu ritmo acelerado. E da mesma forma que eles mudaram, a cidade e a vida das pessoas de lá também mudou. A cidade não era mais a mesma porque nada é o mesmo por toda a vida, tudo muda, as pessoas e as cidades. Seu coração não estava mais triste, não havia mais dor porque sua cidade, como se lembrava, continuava a existir nas suas lembranças, nos seus sonhos e estava em seu devido lugar, no seu passado, na história da sua infância e sempre estaria lá quando ele quisesse voltar. E de qualquer forma ele ainda teria uma amiga para quando quisesse voltar para essa nova São Raimundo que tinha muito que lhe mostrar, essa nova dama, renovada e também bonita, tinha ainda sua doce Flavinha, que seria a ponte entre a sua infância e o seu futuro. E com certeza ele ia voltar, não para rever, mas para conhecer esse novo e misterioso lugar, que ele aprenderia a amar e quem sabe ainda não houvesse alguma coisa de seu, até porque tudo muda, mas as ruas continuam no mesmo lugar.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

A VOLTA (PARTE II)

(Continuação.)
Seu coração bateu mais forte e Mauro quase não conseguiu controlar uma lágrima que teimou em cair quando avistou pela janela a placa “Bem-vindo a São Raimundo Nonato”. Ele havia chegado. No principio parecia que nada havia mudado. As mesmas casas nos mesmos lugares. A pista era nova, conseqüências do progresso, mas ainda tinha o mesmo cheiro, a mesma cor. Passou pela casa de sua infância, no alto da ladeira, pensou em pedir ao motorista para parar ali mesmo, não se agüentava de ansiedade, estava a ponto de explodir, mas se conteve, queria descer na rodoviária, olhar novamente sua terra, queria que sua chegada fosse como no sonho que teve no avião.
A van parou. Era o fim. Estava em casa novamente. Era o filho pródigo, tinha voltado para mostrar o seu sucesso no sul maravilha, tinha voltado para reforçar seus laços com o passado e tinha voltado pra Flavinha. Como ela deveria estar? Será que se lembraria dele? Quando ainda morava lá e ainda era um rapazinho cheio de hormônios e timidez não teve coragem de se declarar a ela, mas tinha a certeza de que ela enxergava em seus olhos o amor que sentia. Mauro pegou sua bagagem, pôs no chão e por um instante contemplou a cidade ao seu redor. A rodoviária estava mudada, porém os bares em torno dela eram os mesmos. A van saiu e ele começou a juntar suas coisas para dar os primeiros passos rumo a sua história, ao reencontro consigo mesmo.
Mauro atravessou a rua e se dirigiu à sua antiga casa. E foi nesse momento que começou a reparar que a cidade havia mudado, muitos lugares que marcaram sua vida não existiam mais. Ele parou em frente ao local onde era o antigo cinema. No mesmo instante se lembrou das matinês do tempo de menino, das tentativas de entrar pelos fundos onde havia um pequeno córrego para ver filmes proibidos para sua idade. Tudo agora está só na memória, o cinema não existia mais, em seu lugar foi aberta uma loja parecida com as lojas de departamentos do Rio, com seções de cama, mesa e banho, vestuário e brinquedos. Continuou andando e nessa jornada começou a sentir um aperto no coração, olhava para os lados e não reconhecia mais nada, tudo havia mudado. A loja de secos e molhados do seu tio agora abrigava uma lanchonete, o bar onde costumava se encontrar com os amigos para conversar, tomar sorvete e onde aprendeu a beber agora era uma lan house. O mundo virtual havia invadido o seu passado. Entretanto sua maior decepção foi quando chegou em frente a Praça do Relógio, o ponto central da cidade. Mauro não podia acreditar no que estava vendo, seus olhos começaram a transbordar de lágrimas e não conseguiu conter o choro. O obelisco enorme com seu imponente relógio de quatro faces, que servia de referência para todos os moradores, ponto de encontro nas noites de outrora, não estava mais lá. Haviam tirado a sua maior lembrança, seu farol. No seu lugar existia agora uma praça com arcos romanos, horrorosa, uma ferida na face de sua tão bela cidade. E enquanto continuava andando ele foi se dando conta que sim, se lembrava do caminho, mas a cidade era outra. A maternidade onde havia nascido era agora uma residência, mais a frente, a ponte onde tinha tirado a foto com seu pai era apenas ornamental, não havia mais rio, ele tinha sido aterrado e começavam a aparecer construções no lugar. Sua cidade estava se favelizando.
Quando chegou ao pé da ladeira seu coração teve um alívio no descompasso. Lá nada havia mudado. A única coisa diferente na paisagem era uma praça em frente a casa de sua avó, mas que não comprometia a beleza do lugar. Mauro foi subindo a ladeira, apesar da tristeza de ver a cidade tão mudada estava feliz de ter voltado, até minimizava um pouco sua decepção.
Chegou em frente a casa. Seu coração estava acelerado. Viu que tinham colocado uma campainha. Após o estridente som de sinos uma moça bem jovem veio ao portão. Não sabia quem era, não a conhecia então perguntou:
- A Dona Josefa ou o Seu Honório estão? Ao ouvir a pergunta e com cara de espantada de ter um estranho com uma mala procurando por eles falou, um tanto desconfiada:
- Você é alguma coisa deles moço?
- Sou neto deles, eles estão?
- Moço, não sei quanto tempo o senhor está sem falar com eles, mas eles já morreram. A Dona Josefa morreu tem cinco anos e o Seu Honóro morreu tem oito anos.
- Como assim morreram, ninguém falou nada pra gente! E os filhos deles, o Pedro, a Gertrudes e o Antonio, ainda moram no mesmo lugar?
- Não os filhos deles se espalharam por aí. A mais velha já tinha ido embora a um tempão pro Rio de Janeiro, nem cheguei a conhecer ela...
- É, a minha mãe, nós saímos daqui a vinte anos atrás.
- Então, os outros, foram embora depois que os pais morreram. Um, eu acho, tá em Salvador, a Dona Gertrudes eu sei que foi pra Brasília tem um ano, mas não deixou o endereço e o Seu Pedro nem sei pra onde foi. A Dona Gertrudes foi a última a se mudar e me vendeu a casa e não tive mais contato com ninguém.
- Tá bom então, muito obrigado. Você sabe se tem algum hotel ou pousada por aqui?
- Lá do lado da Papelaria Real tem um hotelzinho bem massa, na verdade é o único da cidade, mas é bem limpinho!
- Tudo bem então, muito obrigado, essa papelaria fica no centro mesmo?
- É, depois um tantinho da rodoviária, na avenida mesmo.
- Ta bom então, tchau! E assim Mauro foi voltando o caminho que acabara de fazer. Não pensou nessa possibilidade, de não ter mais ninguém lá. Começava a achar que sua viagem tinha sido inútil. Não tinha mais qualquer elo com o lugar. A cidade havia mudado, seus tios e avós não moravam mais lá, só lhe restava Flavinha, que ele também começava a achar que não seria como nos seus sonhos.
(Continua na próxima semana.)

domingo, 13 de maio de 2007

A VOLTA (PARTE I)


Fazia vinte anos que Mauro não voltava a sua cidade natal. Ele tinha ido morar no Rio de Janeiro com apenas dezesseis anos, foi com seus pais que iam tentar a sorte no sul maravilha. Deixou para trás amigos, parentes, paixões. Lá na cidade grande estudou, formou-se, ganhou dinheiro, apaixonou-se, mas nunca esqueceu da promessa que tinha feito para Flavinha, sua amiga e primeiro amor. Dizia que um dia iria voltar para buscá-la e levá-la para morar no Rio e estava agora voltando para cumprir a promessa. Foi no avião imaginando como tudo aconteceria, imaginava diálogos, reencontros, lembrava-se de lugares que ficaram para sempre em sua memória. Ainda guardava a lembrança das ruas pequenas, das casas baixas, da ponte onde tirou uma foto com seu pai ainda pequeno, lembrava da praça em frente à paróquia onde costumava brincar com seus primos na infância e paquerava as meninas na adolescência, sentia saudades do clube onde brincava o carnaval e que tentava pular o muro nos bailes de debutantes. Imaginava tudo como havia deixado, queria que nada tivesse mudado, estava ansioso e ao mesmo tempo feliz de poder voltar para onde havia crescido, onde havia deixado de ser criança para virar homem no lupanar de Dona Santinha, de onde viveu diabruras e peraltices de menino e traquinagens de garoto crescido.
Em todos esses anos não escreveu sequer uma carta para qualquer parente. No começo foi doloroso, não queria ir e não queria manter nenhum contato com ninguém, nem com seu amor imberbe. Quando planejou a viagem pensou em escrever, ver se tinha algum parente ainda lá, porém preferiu fazer surpresa, ia com a certeza de que tudo estava como havia deixado vinte anos atrás. Não havia esquecido o caminho da rodoviária até a casa de sua avó, casa onde ele viveu com seus pais até sair da cidade. Como o vôo era longo Mauro cochilou e foi sonhando com sua chegada à rodoviária, seguindo a avenida principal, passando pela Praça do Relógio, as pessoas vindo cumprimentá-lo após reconhecê-lo, ele seguindo pela avenida de entrada da cidade subindo a ladeira e chegando em frente a casa onde nasceu e cresceu. Já se via no portão sendo recebido pela sua avó, com o mesmo cabelo branquinho e olhos doces de velhinha bondosa. Já sentia seu abraço, via a alegria em seus olhinhos, a festa dos seus tios e familiares. E foi nesse regozijo antecipado que o comandante anunciou a chega em Petrolina. Sua ansiedade aumentou. Em poucas horas estaria de novo em sua amada e saudosa cidade, estaria diante de pessoas que não via há muitos anos, estaria diante de Flavinha, seu amor juvenil, a menina que habitou seus sonhos nos mais doces anos de sua vida.
Ao sair do aeroporto se dirigiu a rodoviária para comprar a passagem até São Raimundo. Sabia que não tinha ônibus para lá toda hora, então quanto mais cedo comprasse, mais rápido sairia, e de qualquer forma teria tempo para fazer um lanche e descansar do vôo. Viu que tinham vans paradas na entrada e com placa para várias cidades próximas, inclusive a sua. Viu que uma estava saindo naquele instante. Achou que essa coincidência era um bom presságio e entrou no veículo. Seu coração batia forte. Achava mesmo que todos podiam ouvir suas batidas. Ele estava a poucas horas de ligar esses vinte anos de separação entre o Mauro maduro, professor universitário, com a carreira consolidada e o Maurinho, menino levado, criado livre nos rincões do sertão nordestino.
Ele sentou na janela para ver o caminho. A van partiu rumo ao seu passado. Mauro foi vendo e recordando cada centímetro de estrada, cada paragem. Reconhecia o cheiro de mato ressecado que só sentira quando vivera lá. Olhava o céu de um azul forte, claro, sem a fumaça dos céus das grandes cidades e o sol, era um sol forte, vivo, quente, inclemente, devido a proximidade da linha do Equador. Não conseguia pensar mais em nada, apenas contemplava a estrada. Parecia que o tempo havia parado, nada havia mudado nesses vinte anos, claro que a estrada estava muito melhor e havia as vans que eram mais confortáveis que os velhos ônibus que circulavam por aquelas estradas, mas as casinhas de pau-a-pique ainda estavam lá, os animais ainda passeavam languidamente pela estrada, os longos espaços de vazio, sem nenhuma casa ou sinal de vida. Até um trecho entre Remanso e São Raimundo era de terra, como se lembrava de quando saiu. A poeira e os solavancos nem lhe incomodavam, tudo era recordação, sua alma estava inundada de nostalgia, uma nostalgia doce, uma nostalgia que tinha o gosto dos doces de leite e umbuzadas da sua avó, tinha o cheiro de cuscuz de milho fresco do café da manhã, tinha a maciez da fruta tirada do pé. E ele não via a hora de rever tudo isso, sentir novamente esses aromas e sabores que ficaram tão distantes e que agora estavam tão próximos, ao alcance dos sentidos.


(Continua na próxima semana.)

terça-feira, 8 de maio de 2007

LER...

Ler o mundo
Ou vários mundos.
Ler a alma
Com calma.
Mergulhar bem fundo
Num rio de alegrias,
Medos e mágoa.

Ler é viajar.
Viajar por terras distantes,
De cidades frias
A desertos escaldantes.

Ler é amar,
Amar o livro.
É ter um amor proibido,
Uma paixão no horizonte,
Ter muitos amantes.

Ler é se aventurar,
É andar na floresta com um lobo
Ou entrar na mente de um louco.

Ler é viver
Uma vida em muitas.
Em tempos de paz
Ou em dias de lutas.

É ir de São Paulo à Paris,
New York a Saint Louis.
É partir de Londres ao Cairo,
Sem entrar num carro.
Tudo isso ao virar uma página,
Sem sair de casa,
Como num passe de mágica.

domingo, 6 de maio de 2007

O GUARDANAPO (PARTE FINAL)

(Continuação...)
Madureira se aproximava. Mais alguns pontos e Alberto iria saltar. Estava cansado. Queria dormir. Lembrar do que aconteceu ou esquecer-se de vez dessa noite. Seu ponto chegou. Ele levantou e ao descer da condução o ébrio rapaz levou um choque. Não podia acreditar no que via. Isso era impossível. Ele começou a questionar a sua própria lucidez. Ao colocar os pés na calçada e o ônibus partir para seu destino ele viu novamente aquele homem. O homem misterioso com sua capa de chuva, seu chapéu de gangster a fitá-lo do outro lado da rua. Estava parado com as mãos no bolso. Mas como ele poderia estar ali se o tinha visto descer no Méier? Como havia chegado lá tão rápido? E como poderia saber que ele saltaria exatamente naquele ponto? Alberto ficou tão transtornado e ao mesmo tempo assustado que não conseguiu mover um músculo. Não teve qualquer reação de atravessar a rua estreita que os separava. Mesmo sua mente dizendo que deveria atravessar a rua e descobrir quem era esse homem, suas pernas simplesmente não obedeciam. E eles ficaram ali, frente a frente. Encaravam-se. Quando finalmente o rapaz conseguiu sair de sua letargia devido ao susto e foi mudar de calçada, o homem da capa virou-se para a esquina. Foi andando rápido e desapareceu novamente noite adentro. Alberto ainda correu atrás dele para ver se o alcançava, mas foi em vão. Ele já havia sumido como que por encanto.
Aquilo estava tomando um rumo muito estranho. Alberto não conseguia pensar direito. Começou a caminhar na direção de sua casa, que ficava na mesma rua que havia acontecido o encontro, ele estava começando a ficar apavorado. O que significava tudo aquilo, ele não sabia. O que aquele homem queria com ele, muito menos. Porém o rapaz queria respostas. Resposta do que havia acontecido naquela noite e que não conseguia lembrar. Respostas daquele homem que o seguia. Queria apenas respostas. E quem poderia dá-las era a mulher do bar. Tirou o telefone do bolso. Assim que chegasse em casa ligaria para ela e esperava que tudo se esclarecesse; não iria esperar até de manhã, resolveria tudo ainda naquela noite.
Então Alberto atravessou rapidamente a esquina que há poucos minutos atrás o misterioso homem havia desaparecido. Seguiu rua acima, que no seu estado de agitação parecia muito mais longa do que já era. Ele morava exatamente no meio da rua, na parte mais alta. Não era bem uma ladeira, era mais uma pequena elevação, ma naquele momento parecia o Monte Everest. Assim que chegou ao seu portão olhou para trás na esperança de ver aquele homem novamente. Não havia ninguém. No seu intimo houve uma certa tranqüilidade por isso. Entrou em casa, foi direto para o banheiro lavar o rosto. A água fria o reanimou. Ele sentia que o efeito da bebida já havia passado quase que totalmente. Já conseguia pensar de forma mais clara. Só o intrigava o fato de ainda não se lembrar o que tinha feito naquela noite, porém de alguma maneira sabia que aquele sujeito que vinha o seguindo noite adentro tinha alguma ligação com tudo aquilo.
O rapaz foi para o quarto, procurou o guardanapo amassado com o telefone da tal mulher. Havia apenas um possível primeiro nome – Tânia – e o número. Ele sentou-se na cama, que ficava em frente à janela, tirou o fone do gancho e paralisou. Em frente a sua porta, parado estava ele, o homem misterioso. Ele acenava para Alberto chamando-o. Alberto ficou mais intrigado e assustado. Como ele poderia ter entrado em seu quintal se o portão da frente estava fechado e o muro era muito alto para alguém pular. Ele então se dirigiu a porta muito amedrontado, mas mesmo assim foi. Sua curiosidade era maior que seu medo e ele queria saber o que estava acontecendo, o que esse homem queria com ele.
Quando Alberto abriu a porta o homem entrou sala adentro e se posicionou no canto mais escuro. Não tirou o chapéu. Alberto tentou ver seu rosto, mas ele se esquivou. Então Alberto perguntou:
- O que você quer comigo?
- Eu vi o que você fez! – Disse o homem.
- E quem é você? O que você viu que eu fiz?
- A culpa foi sua, toda sua. Aquele homem quase morreu. Você é um animal, deve ser preso como todo animal selvagem. Você se descontrolou e agora aquele homem pode morrer.
- Mas o que foi que eu fiz? Que homem é esse? Não sei do que você está falando. – Alberto estava se desesperando. Já começava a perder o controle, se esse sujeito na sua frente falasse não falasse logo o que tinha para dizer ele não responderia por si.
- Estou aqui para que você seja punido. – disse o homem de capa – estou aqui para lhe mostrar o que há de pior dentro de você. Foi pó r causa dela, da Tânia, uma mulher que você nem conhecia. Foi por isso que perdeu o controle. Por causa de uma prostituta. Ela precisava se livrar de alguém e você a ajudou. Ajudou uma vagabunda e quase matou um homem.
- Eu não fiz nada disso. Não sei quem é Tânia. Conta logo, por que você vem me seguindo!
- Tânia, a mulher que lhe deu esse guardanapo. Você não se lembra. Ela se aproximou de você no bar. Você estava sozinho. Queria afogar as mágoas. Aproveitou a festa para se distrair, mas não estava conseguindo. Ela pediu um drink, um copo de tequila. Você pagou. Não pensava em mais nada, apenas na possibilidade de não ficar só essa noite. Estava tão embevecido por sua beleza selvagem. Por sua sensualidade lasciva que nem notou quando ela colocou uma droga em sua bebida. Nem percebeu que só enxergava um trouxa para arrancar dinheiro. Tanto não percebeu suas intenções que quando seu cafetão chegou para lhe cobrar o programa anterior, você não pensou duas vezes em defendê-la. Não imaginou que aquele sujeito era tão sujo e sórdido quanto ela e que era não só seu patrão, como também seu amante. Vocês dois discutiram. Você perdeu o controle. Começaram a brigar. Houve tumulto. Correria. Que ela aproveitou para fugir de vocês. Você o jogou no chão, sentou em seu peito e começou a esmurrar a sua cara. Começou a perder o controle. Os seguranças tentaram contê-lo, porém era tarde demais. Você já tinha liberado este monstro que tem dentro de você. Você não parava. Não conseguia enxergar. Só via o vermelho do sangue. Apenas batia, batia, batia, até transformar a cara do sujeito numa pasta de sangue e ossos quebrados. Teve que vir seis seguranças para lhe segurar. Vieram tarde, o homem há muito tempo já estava inconsciente. Quando os seguranças iam chamar a policia, você se esquivou e saiu à surdina de lá.
- Como você pode afirmar isso. – Disse Alberto, já completamente sóbrio e com um olhar sombrio, e tentava reconhecer aquela voz que lhe soava tão familiar, só não conseguia lembrar de onde a conhecia.
- Eu estava lá. Estava com você o tempo todo. Eu tentei lhe avisar para não beber com aquela mulher. Eu tentei te impedir de se envolver na discussão. Tentei ainda evitar que você brigasse, mas você não me ouviu. E eu venho há noite inteira te acompanhando, como sempre faço, para tentar lhe mostrar o que você fez. Para tentar impedir que você faça essa besteira novamente.
- Mas como você estava lá comigo. Eu fui sozinho. Só notei você atrás de mim na Rio Branco... Espera aí, quem é você realmente? – E enquanto perguntava, Alberto foi pra cima do homem e arrancou seu chapéu. Ele não ofereceu resistência alguma e Alberto deu um passo para trás assustado. Ele não tinha reação. Não era possível que aquilo estivesse acontecendo com ele. Era surreal. Aquele homem, aquele homem que vinha seguindo-o por toda noite, tinha o seu rosto. Na verdade era ele mesmo, mas como era possível? E gaguejando e com um fio e voz que buscou lá no fundo do seu ser perguntou:
- Quem, quem é você?
- Sua consciência, Alberto. Sua consciência...
Alberto se levantou num susto. Era dez e meia da manhã. Uma linda manhã de sábado. Ele estava com dor de cabeça. Tinha tido um pesadelo. Foi ao banheiro, lavou o rosto tentando entender aquele sonho da noite passada. Um sonho estranho. Foi em direção a cozinha preparar um café. Estava realmente com muita dor e muito cansado. Havia chegado tarde em casa, tinha ido a uma festa e tinha bebido demais. Vai ver era por isso que tinha tido aquele sonho. Decidiu parar de beber, pelo menos nas próximas semanas. Ainda pensava no sonhe esquisito que havia tido quando sentou no sofá para tomar sua xícara de café. Viu um papel amassado no chão. Pegou para jogar no lixo, mas antes abriu para ver se era algo importante. Quando abriu deixou a xícara cair no chão. Estava lívido. No papel tinha um telefone e um nome: Tânia.